Sumário
Toggle1. Entenda como a boa-fé objetiva e o instituto da supressio influenciam a aplicação da Lei 9.514/97.

A alienação fiduciária de bens imóveis tem se tornado um tema de grande relevância no Direito Civil brasileiro, especialmente em razão de controvérsias envolvendo sua aplicação em contratos não registrados.
No julgamento do Recurso Especial nº 2135500/GO, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), relatado pela ministra Nancy Andrighi, traz à tona importantes discussões sobre a boa-fé objetiva, a supressio e os limites impostos pelo ordenamento jurídico ao exercício de direitos.
2. O que é alienação fiduciária?

A alienação fiduciária de bem imóvel é um mecanismo de garantia em que o devedor transfere ao credor a propriedade resolúvel do imóvel, mantendo a posse direta do bem. Esse instituto está disciplinado pela Lei nº 9.514/97, que exige o registro do contrato no cartório competente para que a propriedade fiduciária seja constituída e a execução extrajudicial seja possível.
De acordo com o art. 23 da referida lei, o registro é condição essencial para a execução extrajudicial em casos de inadimplemento do devedor. No entanto, o julgamento do caso em questão trouxe uma interpretação relevante sobre como a ausência de registro pode impactar os direitos das partes envolvidas.
3. Resumo do caso julgado pelo STJ.

O recurso foi interposto pela FGR Jardins Ancora SPE LTDA contra decisão do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ/GO), que julgou procedente o pedido de rescisão contratual feito pelos adquirentes de um lote, determinando a devolução de valores pagos, com retenção de 10%. A controvérsia girava em torno da possibilidade de execução extrajudicial com base na Lei nº 9.514/97, mesmo sem o registro do contrato.
O STJ negou provimento ao recurso especial, considerando que a alienante não registrou o contrato por dois anos, apenas o fazendo após o ajuizamento da ação pelos compradores. Essa conduta, deliberadamente omissa, foi considerada uma violação à boa-fé objetiva.
4. Boa-fé objetiva e supressio: fundamentos da decisão.

4.1. O princípio da boa-fé objetiva.
A boa-fé objetiva, prevista no art. 422 do Código Civil, impõe que as partes contratuais ajam com lealdade, ética e cooperação mútua. Esse princípio se desdobra em três funções principais:
- Instrumento hermenêutico: guia a interpretação de contratos;
- Fonte de deveres jurídicos: cria obrigações implícitas;
- Limite ao exercício de direitos subjetivos: impede condutas abusivas.
No caso em análise, o STJ concluiu que a alienante violou a boa-fé ao permanecer inerte quanto ao registro do contrato, comportamento que gerou a expectativa lícita nos compradores de que o pacto não seria regido pelas disposições da Lei nº 9.514/97.
4.2. O instituto da supressio.
A supressio é um instituto jurídico que decorre da boa-fé objetiva e impede que uma parte exerça determinado direito após longo período de inércia, quando isso gera uma expectativa de renúncia para a outra parte.
No julgamento do REsp 2135500/GO, a supressio foi aplicada para inibir a invocação do direito à execução extrajudicial, dado que o registro do contrato foi realizado apenas dois anos após a celebração do negócio.
5. Impactos da decisão.

A decisão reafirma que o registro do contrato é imprescindível não apenas como uma formalidade legal, mas também como um elemento de segurança jurídica. A omissão deliberada do alienante em registrar o contrato fere o princípio da boa-fé objetiva e impede o uso do procedimento extrajudicial previsto na Lei nº 9.514/97.
Além disso, a aplicação da supressio mostra-se essencial para evitar que a parte inerte obtenha vantagens indevidas em detrimento da outra. Essa abordagem protege o equilíbrio contratual e reforça a função social dos contratos.
6. Conclusão.

O julgamento do REsp 2135500/GO pelo STJ consolida importantes precedentes sobre a aplicação da Lei nº 9.514/97 em contratos de alienação fiduciária de imóveis. Ao enfatizar os princípios da boa-fé objetiva e da supressio, a Corte reafirma o compromisso com a ética nas relações contratuais e com a proteção dos direitos dos adquirentes.
Essa decisão serve como alerta para que alienantes cumpram rigorosamente as formalidades legais e atuem de maneira transparente, prevenindo litígios e garantindo maior segurança jurídica no mercado imobiliário.