Sumário
Toggle1. A Relevância do Estado de Saúde Cognitiva do Empregado e a Proporcionalidade na Aplicação da Justa Causa.

O Direito do Trabalho brasileiro, alicerçado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), estabelece como uma das formas de rescisão contratual a dispensa por justa causa, prevista no art. 482. Esse dispositivo legal enumera as condutas que autorizam o empregador a romper o vínculo empregatício sem a obrigação de pagar verbas rescisórias, como aviso prévio e multa do FGTS.
No entanto, a aplicação da justa causa deve ser analisada com cautela, considerando-se a gravidade da conduta do empregado, o contexto fático e, sobretudo, os princípios constitucionais e legais que regem as relações de trabalho.
Neste artigo, analisaremos um caso julgado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), no qual se discutiu a validade da dispensa por justa causa com base em alegados atos de improbidade e mau procedimento do empregado. O caso traz à tona importantes reflexões sobre a proporcionalidade na aplicação da justa causa, a influência do estado de saúde cognitiva do trabalhador e a conduta do empregador diante das faltas cometidas pelo empregado.
2. O Caso Concreto.

O caso em análise teve início com a dispensa por justa causa de um empregado, fundamentada em supostos atos de improbidade e mau procedimento.
O empregador alegou que o trabalhador burlou o sistema de catracas de acesso da empresa em seis dos dezoito dias analisados, ocasionando longas ausências do posto de trabalho, inclusive para fumar e permanecer ocioso em seu veículo ou nas dependências da garagem. Diante disso, a empresa entendeu que tais condutas configurariam justa causa com base nas alíneas “a” (ato de improbidade) e “b” (mau procedimento) do art. 482 da CLT.
No entanto, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) reformou a decisão de primeiro grau, declarando a nulidade da dispensa e determinando a reintegração do empregado.
O TRT considerou que, embora o empregado tenha cometido as faltas alegadas, estas não teriam gravidade suficiente para justificar a dispensa por justa causa, já que eram consentidas pelos superiores hierarquicos. Além disso, o tribunal destacou que o empregado estava incapacitado para o trabalho no momento da dispensa, conforme laudo pericial que atestou sua condição de saúde cognitiva frágil.
3. A Transcendência Jurídica do Caso.

O caso foi submetido ao TST por meio de recurso de revista, tendo sido reconhecida a transcendência jurídica da matéria. A controvérsia central residia na interpretação e aplicação do art. 482, alíneas “a” e “b”, da CLT, especialmente no que se refere à proporcionalidade entre a conduta do empregado e a penalidade aplicada.
O TST destacou que a justa causa representa a pena máxima no âmbito trabalhista, devendo ser aplicada apenas em casos graves e após análise cuidadosa do contexto fático.
No caso em questão, o tribunal considerou que o empregado não possuía pleno discernimento sobre suas ações, em razão de seu estado de saúde cognitiva, diagnosticado como Transtorno Cognitivo Leve, com tendência à demência. Além disso, o TST observou que o empregador havia sido conivente com as ausências do empregado, permitindo que ele se ausentasse do posto de trabalho por longos períodos sem qualquer sanção prévia.
4. A Análise do TST.

O TST, ao analisar o caso, destacou que a dispensa por justa causa deve observar o princípio da proporcionalidade, considerando-se a gravidade da falta, o histórico do empregado e as circunstâncias específicas do caso.
No presente caso, o tribunal entendeu que a conduta do empregado, embora irregular, não justificava a aplicação da justa causa, especialmente diante de seu estado de saúde e da conivência do empregador com as faltas cometidas.
O tribunal também ressaltou a importância do princípio da boa-fé objetiva nas relações de trabalho, previsto no art. 187 do Código Civil. De acordo com esse princípio, o empregador não pode exceder os limites impostos pelo fim econômico ou social do contrato, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
No caso em análise, o TST entendeu que a dispensa por justa causa configurou abuso de direito, uma vez que o empregador tolerou as faltas do empregado por um longo período e apenas aplicou a penalidade máxima após a reintegração determinada judicialmente.
5. A Relevância do Estado de Saúde do Empregado.

Um dos aspectos mais relevantes do caso foi a consideração do estado de saúde cognitiva do empregado. O laudo pericial atestou que o trabalhador se encontrava em fase de Transtorno Cognitivo Leve, com tendência à demência, o que afetava sua capacidade de discernimento sobre suas ações.
O TST destacou que, em casos como esse, a aplicação da justa causa deve ser ainda mais criteriosa, uma vez que o empregado pode não ter plena consciência da gravidade de suas condutas.
Além disso, o tribunal observou que a aposentadoria por invalidez do empregado, decorrente de sequelas neurológicas, reforçava a constatação de sua cognição reduzida. Nesse sentido, o TST lembrou que a aposentadoria por invalidez importa na suspensão do contrato de trabalho, sendo vedada a rescisão contratual enquanto perdurar o recebimento do benefício previdenciário.
6. Conclusão.

O caso analisado pelo TST ilustra a complexidade da aplicação da justa causa no Direito do Trabalho brasileiro. A decisão reforça a necessidade de análise cuidadosa do contexto fático, considerando-se a gravidade da falta, o histórico do empregado e as circunstâncias específicas do caso.
Além disso, o caso destaca a importância de se observar o princípio da proporcionalidade e da boa-fé objetiva nas relações de trabalho, evitando-se abusos por parte do empregador.
Por fim, o caso chama a atenção para a relevância do estado de saúde do empregado na análise da justa causa, especialmente quando há comprometimento cognitivo. A decisão do TST reforça o entendimento de que a justa causa deve ser aplicada com parcimônia, sempre em observância aos princípios constitucionais e legais que regem as relações de trabalho.
LINK JULGAMENTO PROCESSO Nº TST-Ag-AIRR – 0000034-93.2022.5.10.0003