Sumário
Toggle1. Introdução – Ações Renovatórias de Locação Comercial à Luz do CPC e da Lei do Inquilinato.

No cenário jurídico brasileiro, as ações renovatórias de contratos de locação comercial representam um campo de intenso debate, especialmente quando envolvem a responsabilização de fiadores na fase de cumprimento de sentença.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentou uma questão de grande relevância prática: é possível incluir fiadores no polo passivo do cumprimento de sentença em ações renovatórias, mesmo que eles não tenham participado da fase de conhecimento do processo?
Essa discussão, que tangencia os limites entre o direito material e processual, exige uma análise cuidadosa da legislação aplicável, em especial do Código de Processo Civil (CPC) e da Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91), além de uma reflexão sobre os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
A regra geral, estabelecida no artigo 513, § 5º, do CPC, é clara: o cumprimento da sentença não pode ser promovido contra fiadores, coobrigados ou corresponsáveis que não participaram da fase de conhecimento.
No entanto, a Lei do Inquilinato, ao tratar especificamente das locações comerciais, impõe requisitos adicionais para a ação renovatória, como a comprovação da anuência do fiador com os encargos da fiança.
Essa aparente contradição entre a regra geral e a legislação especial tem gerado divergências na doutrina e na jurisprudência, exigindo uma interpretação harmoniosa que respeite tanto a segurança jurídica quanto os direitos das partes envolvidas.
Neste artigo, exploraremos os fundamentos legais e jurisprudenciais que permitem a inclusão de fiadores no polo passivo do cumprimento de sentença em ações renovatórias, bem como os limites impostos pelo respeito ao contraditório e à ampla defesa.
Além disso, analisaremos as implicações práticas dessa discussão, destacando os cuidados necessários para evitar violações aos direitos processuais dos fiadores. Ao final, espera-se oferecer uma visão clara e abrangente sobre o tema, contribuindo para o debate jurídico e a aplicação correta da legislação em casos semelhantes.
2. A Regra Geral e a Exceção: O Artigo 513, § 5º, do CPC e a Lei do Inquilinato.

De acordo com o artigo 513, § 5º, do CPC, o cumprimento da sentença não pode ser promovido contra o fiador, coobrigado ou corresponsável que não participou da fase de conhecimento do processo.
Essa regra visa garantir o respeito aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, pilares fundamentais do sistema jurídico brasileiro. No entanto, como em toda regra, há exceções, e é justamente nesse ponto que a Lei do Inquilinato entra em cena.
A Lei nº 8.245/91, que regula as locações de imóveis urbanos, estabelece requisitos específicos para a ação renovatória de contrato de locação comercial. Conforme o artigo 71, inciso VI, da referida lei, é imprescindível que o autor da ação renovatória instrua a petição inicial com a “prova de que o fiador do contrato ou o que o substituir na renovação aceita os encargos da fiança, autorizado por seu cônjuge, se casado for“.
Essa exigência legal cria uma exceção à regra geral do CPC, permitindo que o fiador seja incluído no polo passivo do cumprimento de sentença, mesmo que não tenha participado da fase de conhecimento.
3. A Especificidade da Ação Renovatória e a Anuência do Fiador.

A ação renovatória de locação comercial possui particularidades que a distinguem de outras ações civis.
Uma delas é a necessidade de comprovar, desde o início do processo, a anuência do fiador com os encargos da fiança. Essa anuência, manifestada por meio de documento específico, é o que permite a inclusão do fiador na fase de cumprimento de sentença, ainda que ele não tenha sido parte ativa na fase de conhecimento.
Essa interpretação foi consolidada pela Terceira Turma do STJ, que entendeu que, nos processos regidos pela Lei do Inquilinato, a anuência dos fiadores com a renovação do contrato, manifestada por meio da juntada de prova documental, permite que eles sejam incluídos no cumprimento de sentença.
Essa decisão reflete o entendimento de que o fiador, ao aceitar os encargos da fiança, assume implicitamente a responsabilidade pelas obrigações decorrentes do contrato renovado.
4. A Impossibilidade de Penhora Imediata dos Bens do Fiador.

Embora seja possível incluir o fiador no polo passivo do cumprimento de sentença, é importante destacar que a penhora imediata de seus bens não é permitida.
O princípio do contraditório, previsto no artigo 5º, LV, da Constituição Federal, exige que o fiador seja citado para que possa se manifestar e, se for o caso, apresentar impugnação ao cumprimento de sentença. Somente após essa manifestação é que o juízo poderá decidir sobre a penhora dos bens do fiador.
Essa garantia processual é essencial para assegurar que o fiador tenha a oportunidade de se defender e de alegar eventuais nulidades ou excessos na execução.
Além disso, o fiador pode invocar o benefício de ordem, previsto no artigo 827 do Código Civil, que permite que ele exija que o credor execute primeiro os bens do devedor principal antes de recorrer aos seus próprios bens.
5. Conclusão.

A inclusão de fiadores no polo passivo do cumprimento de sentença em ações renovatórias de locação comercial é uma questão que exige uma análise cuidadosa e fundamentada na legislação específica.
Enquanto o CPC estabelece a regra geral de que o cumprimento da sentença não pode ser promovido contra fiadores que não participaram da fase de conhecimento, a Lei do Inquilinato cria uma exceção a essa regra, desde que comprovada a anuência do fiador com os encargos da fiança.
No entanto, é fundamental que os direitos processuais do fiador sejam respeitados, especialmente no que diz respeito ao contraditório e à ampla defesa. A penhora imediata dos bens do fiador, sem a devida citação e oportunidade de defesa, configura violação a esses princípios fundamentais.
Portanto, a decisão do STJ, ao permitir a inclusão do fiador no polo passivo do cumprimento de sentença, mas vedando a penhora imediata de seus bens, reflete um equilíbrio entre a necessidade de efetividade da execução e a garantia dos direitos processuais do fiador.
Essa interpretação, alinhada com a legislação vigente e os princípios constitucionais, serve como um importante precedente para casos semelhantes.