Sumário
Toggle1. Introdução.
O assédio sexual no ambiente de trabalho é uma questão de grande relevância, não apenas do ponto de vista jurídico, mas também social e ético. A recente decisão da Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que condenou uma empresa varejista a indenizar uma balconista vítima de assédio sexual, é um exemplo significativo de como o Judiciário brasileiro vem lidando com esse tipo de situação.
Neste caso, a aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), demonstra uma mudança de paradigma no tratamento dessas questões, enfatizando a necessidade de se considerar a complexidade do assédio sexual e as nuances de gênero presentes.
2. Contexto Fático e Jurídico.
O caso em questão envolveu uma balconista que sofreu assédio sexual por parte de um encarregado da empresa. Segundo o relato da vítima, o assédio começou com elogios à sua aparência e evoluiu para investidas mais invasivas, incluindo tentativas de contato físico forçado.
Após resistir ao assédio, a trabalhadora foi reprovada em um teste para promoção e passou a ser perseguida pelo assediador, levando-a a denunciar a situação ao setor de recursos humanos da empresa. Contudo, sua denúncia foi desacreditada, o que a levou a ajuizar uma ação trabalhista pleiteando indenização por danos morais e rescisão indireta do contrato de trabalho.
A rescisão indireta, prevista no artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), é uma forma de o empregado rescindir o contrato em casos de falta grave por parte do empregador. No caso analisado, o assédio sexual e a omissão da empresa em apurar adequadamente a denúncia configurariam essa falta grave.
3. A Defesa da Empresa e a Decisão de Primeira e Segunda Instâncias.
A empresa, em sua defesa, caracterizou a situação como uma mera “paquera” entre a balconista e o encarregado, sugerindo que a empregada teria “armado” a situação por vingança, após ter sido reprovada no teste para promoção.
A narrativa da empresa revela um aspecto comum em casos de assédio sexual: a tentativa de desqualificar a vítima e transformar o ato de assédio em algo consensual ou trivial.
Na primeira instância, o juízo da 18ª Vara do Trabalho de Goiânia condenou a empresa a pagar uma indenização de R$ 30 mil.
No entanto, o Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) reformou a sentença, entendendo que não havia prova suficiente de que as investidas do encarregado fossem indesejadas e repelidas. O TRT considerou que a trabalhadora teria dado atenção ao suposto assediador, o que, na visão daquele tribunal, demonstraria uma relação consensual.
4. A Perspectiva de Gênero e a Decisão do TST.
A decisão do Tribunal Regional foi revista pelo TST, que aplicou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ. Este protocolo orienta os juízes a considerar a realidade das vítimas de violência de gênero e a dar alta valoração às suas declarações.
No caso específico, o ministro Agra Belmonte destacou que a suposta consensualidade alegada pela empresa muitas vezes pode ser fruto de coação, especialmente quando a vítima está em uma posição de vulnerabilidade, como no ambiente de trabalho.
O TST reconheceu que a palavra da vítima foi desconsiderada pelo TRT, em contrariedade às diretrizes do protocolo do CNJ. Ao reformar a decisão regional, a Sétima Turma condenou a empresa a indenizar a trabalhadora em R$ 71 mil, reconhecendo que houve assédio sexual e que a empresa, ao ignorar a denúncia, contribuiu para um ambiente de trabalho tóxico e desequilibrado.
5. Importância da Decisão e do Protocolo do CNJ.
A aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero é um marco na jurisprudência trabalhista brasileira. Esse documento foi criado com o intuito de orientar os magistrados a julgarem casos com maior sensibilidade à questão de gênero, reconhecendo a violência estrutural e as desigualdades que muitas mulheres enfrentam no ambiente de trabalho.
No contexto do assédio sexual, é crucial entender que a relação de poder entre o assediador e a vítima pode criar uma situação em que a vítima se sinta coagida a tolerar ou a não denunciar o assédio por medo de retaliação, ou perda do emprego.
O protocolo do CNJ destaca a importância de valorizar a palavra da vítima e de compreender o contexto em que as ações ocorreram, evitando interpretações simplistas ou estigmatizantes.
6. Reflexões Finais.
A decisão do TST neste caso reflete um avanço significativo na proteção dos direitos das trabalhadoras e no reconhecimento da gravidade do assédio sexual no ambiente laboral.
A implementação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero representa uma mudança necessária na abordagem desses casos, promovendo uma análise mais aprofundada das dinâmicas de poder e da realidade vivida pelas vítimas.
O assédio sexual é uma forma de violência que afeta não apenas a integridade psicológica e emocional da vítima, mas também o ambiente de trabalho como um todo.
Decisões como a do TST são fundamentais para desencorajar comportamentos abusivos e reforçar a responsabilidade das empresas em criar ambientes de trabalho seguros e respeitosos para todos os empregados.
Essa mudança de paradigma no Judiciário brasileiro, ao reconhecer e valorizar a perspectiva de gênero, contribui para uma sociedade mais justa e equitativa, onde o combate ao assédio sexual no trabalho é tratado com a seriedade que merece.
https://tst.jus.br/web/guest/-/varejista-%C3%A9-condenada-por-ignorar-den%C3%BAncia-de-v%C3%ADtima-de-ass%C3%A9dio-sexual