Entenda como a jurisprudência do STJ protege o direito à moradia mesmo em casos de fraude à execução.
Sumário
Toggle1. Introdução.

O direito à moradia é um dos pilares fundamentais da dignidade humana, garantido pela Constituição Federal de 1988.
No ordenamento jurídico brasileiro, a Lei nº 8.009/1990 assegura a impenhorabilidade do bem de família, protegendo o imóvel residencial da entidade familiar contra execuções por dívidas.
No entanto, situações complexas, como a existência de usufruto vitalício e alegações de fraude à execução, desafiam a aplicação dessa proteção.
O Recurso Especial Nº 2142338 – SP (2023/0177777-6), julgado pela Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça (STJ), traz à tona uma discussão relevante sobre esses temas, reforçando a importância da finalidade social do bem de família.
2. Contexto do Caso.

O caso em análise envolve uma ação de cobrança movida pela SLKS Comércio de Artigos de Moda EIRELI contra Viviane Gomes Lima, filha dos recorridos Paulo Lima Silva e Cleide Gomes Lima.
No curso da execução, a SLKS alegou que um imóvel doado por Viviane aos seus pais em 2018, configurava fraude à execução, pois a devedora teria alienado o bem para dificultar a penhora.
No entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) reconheceu o imóvel como bem de família, protegendo-o da penhora, mesmo diante da alegação de fraude.
A questão central do recurso especial foi determinar se o imóvel, onde residem os genitores da devedora em razão de usufruto vitalício, poderia ser considerado bem de família, mesmo que a devedora não residisse no local.
Além disso, discutiu-se se a configuração de fraude à execução afastaria a impenhorabilidade do bem.
3. A Impenhorabilidade do Bem de Família e o Usufruto Vitalício.

O usufruto é um direito real que permite ao usufrutuário usar e fruir de um bem alheio, sem alterar sua substância. No caso em questão, os genitores da devedora possuíam usufruto vitalício sobre o imóvel, o que significa que tinham o direito de residir no local até o fim de suas vidas. A nua-propriedade, por sua vez, pertencia à devedora.
A Lei nº 8.009/1990 estabelece que o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar é impenhorável, exceto nas hipóteses previstas no art. 3º da mesma lei. O art. 5º complementa que, para efeitos de impenhorabilidade, considera-se residência o único imóvel utilizado pela entidade familiar para moradia permanente.
No caso analisado, o STJ entendeu que o fato de a devedora não residir no imóvel não afasta a proteção do bem de família, desde que o imóvel seja o único da entidade familiar e utilizado para moradia permanente.
A presença dos genitores da devedora, como usufrutuários vitalícios, foi suficiente para caracterizar o imóvel como bem de família, pois a finalidade da lei é proteger o direito à moradia da entidade familiar, independentemente de quem seja o proprietário formal.
4. Fraude à Execução e a Proteção do Bem de Família.

A fraude à execução ocorre quando o devedor pratica atos com o intuito de dificultar ou impedir a satisfação do crédito do exequente. No caso em análise, a SLKS alegou que a doação do imóvel aos pais da devedora configurou fraude, pois teria sido realizada para evitar a penhora.
O STJ, no entanto, destacou que o reconhecimento da fraude à execução não afasta automaticamente a impenhorabilidade do bem de família. Para tanto, é necessário verificar se houve alteração na destinação primitiva do imóvel como moradia da entidade familiar ou desvio do proveito econômico da alienação em prejuízo do credor.
No caso concreto, o imóvel manteve-se como residência dos genitores da devedora, sem alteração em sua destinação, o que justificou a manutenção da proteção legal.
5. Aplicação da Multa nos Embargos de Declaração.

Outro ponto relevante do julgamento foi a aplicação de multa nos embargos de declaração, com base no art. 1.026, § 2º, do Código de Processo Civil (CPC).
O STJ entendeu que a oposição dos embargos não teve caráter protelatório, pois a recorrente buscou esclarecer uma suposta contradição no acórdão.
Dessa forma, a multa foi afastada, reforçando o entendimento de que a aplicação de sanções deve ser feita com cautela, apenas em casos de manifesta má-fé ou abuso processual.
6. Conclusão.

O julgamento do Recurso Especial Nº 2142338 – SP reforça a importância da proteção do bem de família como garantia do direito à moradia, mesmo em situações complexas envolvendo usufruto vitalício e alegações de fraude à execução.
O STJ demonstrou que a finalidade social da Lei nº 8.009/1990 prevalece sobre formalismos, desde que o imóvel mantenha sua destinação como residência da entidade familiar.
Além disso, o caso serve como um alerta para a necessidade de análise cuidadosa em situações de fraude à execução, evitando que a proteção do bem de família seja utilizada como escudo para condutas ilícitas, mas também garantindo que famílias não sejam desamparadas em razão de dívidas.