Sumário
Toggle1. A Disputa por Indenização entre Familiares e os Limites da Ordem Hereditária – Introdução.

O direito à indenização por danos morais e materiais é um tema complexo e frequentemente debatido no âmbito jurídico, especialmente quando envolve a morte de um ente querido.
O caso julgado pelo Foro Regional de Itaquera, na Capital Paulista, sob o número de Apelação 0006640-95.2023.8.26.0007, traz questões relevantes sobre a legitimidade de familiares para pleitear indenizações, independentemente da ordem de vocação hereditária.
Este artigo analisa o caso, fundamentando-se na legislação brasileira, com foco no Código Civil e na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
2. O Caso em Questão.

O caso em análise envolve a morte de um jovem em 1995, decorrente de uma queda de um vagão de trem.
A tia do falecido recebeu uma indenização da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) por danos morais e materiais, alegando vínculos afetivos e econômicos com a vítima.
Posteriormente, os irmãos do falecido, autores da ação proposta em face da tia, buscaram o repasse dessa indenização, argumentando que, como herdeiros diretos, tinham prioridade sobre a tia na ordem sucessória.
A questão central foi determinar se a indenização recebida pela tia deveria ser repassada aos irmãos do falecido, considerando a ordem de vocação hereditária estabelecida no artigo 1.829 do Código Civil.
3. A Ordem de Vocação Hereditária e a Legitimidade para Indenização.

O Código Civil brasileiro estabelece, em seu artigo 1.829, a ordem de vocação hereditária, que define a prioridade dos herdeiros na sucessão patrimonial.
Segundo o dispositivo, os herdeiros legítimos são, em ordem decrescente: os descendentes, os ascendentes, o cônjuge e os colaterais (irmãos, tios, sobrinhos, etc.).
No caso em tela, os irmãos do falecido, como colaterais de segundo grau, teriam prioridade sobre a tia, que é colateral de terceiro grau.
No entanto, a indenização por danos morais e materiais decorrentes de morte não se confunde com a herança.
Conforme destacado no voto do relator, o valor indenizatório não integra o patrimônio do falecido e, portanto, não está sujeito às regras de partilha hereditária.
Isso porque a indenização tem natureza reparatória, destinada a compensar os prejuízos sofridos pelos familiares que mantinham vínculos afetivos e econômicos com a vítima.
4. A Jurisprudência do STJ e a Súmula 642.

A Súmula 642 do STJ estabelece que “a indenização por dano moral é devida aos familiares do falecido, independentemente da ordem de vocação hereditária”.
Essa orientação foi seguida no caso em análise, onde o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) entendeu que a tia do falecido tinha legitimidade para receber a indenização, uma vez que comprovou a existência de vínculos afetivos e econômicos com a vítima.
A decisão reforça o entendimento de que o direito à indenização por danos morais é autônomo e personalíssimo, não estando vinculado à ordem sucessória. Dessa forma, mesmo que os irmãos do falecido sejam herdeiros preferenciais, isso não impede que outros familiares próximos, como a tia, pleiteiem e recebam reparação pelos danos sofridos.
5. A Gratuidade Processual e a Hipossuficiência Financeira.

Outro aspecto relevante do caso é a concessão da gratuidade processual às partes.
Tanto a autora quanto a ré foram beneficiadas com a justiça gratuita, com base na comprovação de hipossuficiência financeira.
A ré, que recebe uma pensão mensal equivalente a 2/3 do salário mínimo, teve o benefício mantido, enquanto a autora, desempregada e sem condições financeiras, também continuou usufruindo da gratuidade.
A gratuidade processual, prevista no artigo 98 do Código de Processo Civil (CPC), é um instrumento essencial para garantir o acesso à justiça a pessoas que não têm condições de arcar com as despesas do processo. A manutenção do benefício para ambas as partes reflete o compromisso do Poder Judiciário com a igualdade e a justiça social.
6. Conclusão.

O caso demonstrado ilustra a complexidade das questões envolvendo indenizações por danos morais e materiais, especialmente quando há disputa entre familiares.
A decisão do TJSP, ao reconhecer a legitimidade da tia para receber a indenização, reforça o entendimento de que a reparação civil não está vinculada à ordem de vocação hereditária, mas sim aos vínculos afetivos e econômicos existentes entre a vítima e seus familiares.
Além disso, a concessão da gratuidade processual às partes demonstra a importância de garantir o acesso à justiça para todos, independentemente de sua condição financeira.
O caso serve como um importante precedente para situações semelhantes, destacando a necessidade de uma análise cuidadosa dos vínculos familiares e das circunstâncias específicas de cada caso.