Sumário
Toggle1. Introdução.
Em uma decisão que reafirma importantes princípios do Direito Civil brasileiro, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinou a inclusão de um prêmio de loteria recebido por uma viúva na partilha da herança de seu falecido esposo.
Apesar de o casamento ter sido celebrado sob o regime de separação obrigatória de bens, o tribunal reconheceu o valor como parte do patrimônio comum do casal. A decisão atende ao recurso apresentado pelos filhos do falecido, que reivindicavam direito sobre a fortuna de R$ 28,7 milhões.
2. Contexto do caso.
O casal viveu em união estável por 20 anos sob o regime de comunhão parcial de bens. Em 2002, formalizaram o matrimônio no regime de separação obrigatória, conforme previsto no artigo 258, parágrafo único, inciso II, do Código Civil de 1916 — norma que determina essa imposição para maiores de 60 anos. O prêmio em questão foi conquistado enquanto o marido ainda estava vivo.
Após o falecimento do pai, os herdeiros ingressaram com ação judicial contra a viúva, buscando a inclusão do valor na herança. Contudo, em primeira e segunda instâncias, o pleito foi negado. Os tribunais entenderam que o prêmio de loteria era incomunicável, considerando-o um bem adquirido por fato aleatório, além de estarem regidos pela separação obrigatória.
3. Fundamentos da decisão do STJ.
Ao analisar o caso, o ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do processo no STJ, destacou que a jurisprudência da corte superior já consolidou o entendimento de que, mesmo no regime de separação obrigatória, bens adquiridos por fato eventual — como prêmios de loteria — devem ser considerados patrimônio comum do casal. Essa interpretação está amparada no artigo 271, inciso II, do Código Civil de 1916 e no artigo 1.660, inciso II, do Código Civil de 2002.
Segundo o ministro, essa regra dispensa a necessidade de comprovar a participação de ambos os cônjuges na obtenção do bem. “Trata-se de patrimônio comum que ingressa automaticamente na comunhão, independentemente de haver esforço comum”, afirmou.
A previsão legal que impõe a separação obrigatória de bens para pessoas idosas tem como objetivo proteger o patrimônio de uniões motivadas por interesse financeiro. Contudo, o relator enfatizou que essa norma não deve ser aplicada de forma a tornar o regime patrimonial mais rigoroso do que aquele vigente durante a união estável que precedeu o casamento.
4. Doutrina e jurisprudência.
O entendimento também encontra respaldo na doutrina jurídica. Durante a III Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho da Justiça Federal, foi aprovado o Enunciado 261, que estabelece que o regime de separação obrigatória de bens não impede a comunicação de patrimônios adquiridos por fato eventual.
Outro ponto relevante é a crítica doutrinária à previsão de separação obrigatória para idosos. Juristas argumentam que a norma desrespeita a autonomia privada e presume uma incapacidade dos cônjuges para gerir seus bens. Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal (STF) abordou o Tema 1.236 da repercussão geral, permitindo que casais afastem essa regra por meio de manifestação expressa.
5. Implicações da decisão.
A decisão do STJ tem impactos que vão além do caso concreto, pois reforça a interpretação de que o regime de separação obrigatória não deve inviabilizar a comunicação de bens considerados comuns. Esse entendimento protege o equilíbrio nas relações patrimoniais, mesmo em casos em que a lei impõe limites ao regime de bens.
Além disso, o julgamento oferece uma perspectiva relevante sobre a função social do casamento e da união estável, ao reconhecer que o relacionamento longo e estável entre as partes deve prevalecer sobre formalismos que podem gerar injustiças.
O caso está sob segredo de justiça, e o número do processo não foi divulgado.