Sumário
Toggle1. Como a Suspensão Temporária de Cobranças Pode Salvar Empresas em Crise Financeira.

A recuperação judicial é um instrumento essencial do Direito Empresarial brasileiro, criado para auxiliar empresas em crise financeira a reestruturarem suas dívidas e retomarem suas atividades de forma sustentável.
Um dos pilares desse processo é o chamado stay period, ou período de blindagem, que suspende temporariamente as execuções contra o patrimônio da empresa.
Esse mecanismo, previsto na Lei de Recuperação e Falência (Lei 11.101/2005), completa 20 anos em 2023 e tem sido alvo de intensos debates no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Neste artigo, exploraremos os efeitos do stay period, sua fundamentação legal e os principais entendimentos do STJ sobre o tema.
2. O Que é o Stay Period e Qual Sua Finalidade?

O stay period é um período de suspensão das execuções individuais contra a empresa em recuperação judicial.
Durante esse intervalo, os credores não podem promover ações para cobrar suas dívidas ou penhorar bens da empresa. O objetivo é proporcionar um “respiro” para que a empresa possa negociar com seus credores, elaborar um plano de recuperação e, assim, superar a crise financeira.
De acordo com o artigo 6º da Lei 11.101/2005, o stay period tem duração inicial de 180 dias, podendo ser prorrogado por mais 180 dias em caráter excepcional. Essa prorrogação foi incluída pela Lei 14.112/2020, com base em precedentes do STJ, como o CC 112.799.
A suspensão das execuções é fundamental para evitar uma “corrida aos ativos” da empresa, em que cada credor tenta garantir o recebimento de seu crédito antes que os recursos se esgotem.
Como destacou o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do STJ, o stay period cria um ambiente propício para negociações equilibradas entre a empresa e seus credores, preservando a continuidade das atividades empresariais.
3. A Competência do Juízo da Recuperação Judicial.

Um dos pontos mais discutidos no STJ é a competência do juízo da recuperação para suspender atos expropriatórios, como penhoras e leilões de bens da empresa.
Conforme decidido no CC 168.000, o juízo da recuperação é o competente para avaliar a suspensão desses atos, inclusive em execuções fiscais.
No caso analisado, uma empresa em recuperação judicial teve três imóveis leiloados em execuções fiscais. O juízo da recuperação suspendeu os leilões, entendendo que eles poderiam comprometer a reestruturação da empresa. O STJ confirmou a decisão, reforçando que o juízo da recuperação deve zelar pela preservação da empresa, conforme o princípio da preservação da empresa (artigo 47 da Lei 11.101/2005).
No entanto, é importante ressaltar que a suspensão das execuções fiscais não é automática. Conforme o parágrafo 7º do artigo 6º da Lei 11.101/2005, as execuções fiscais não se suspendem com o processamento da recuperação judicial. Ainda assim, o STJ entende que os atos expropriatórios devem ser submetidos ao juízo da recuperação, para evitar prejuízos à continuidade das atividades empresariais.
4. A Contagem do Prazo do Stay Period: Dias Corridos ou Dias Úteis?

Outra questão relevante é a forma de contagem do prazo do stay period. No REsp 1.698.283, o STJ decidiu que o prazo de 180 dias deve ser contado em dias corridos, e não em dias úteis. Esse entendimento foi consolidado pela Terceira Turma do STJ, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze.
A decisão foi tomada em um caso em que o juízo de primeira instância havia determinado a suspensão das execuções por 180 dias úteis, com base no Código de Processo Civil (CPC) de 2015, que adota a contagem em dias úteis para prazos processuais. No entanto, o STJ entendeu que o stay period tem natureza material, e não processual, devendo ser contado em dias corridos para se alinhar à lógica temporal da recuperação judicial.
5. Os Limites da Competência do Juízo da Recuperação.

Após o término do stay period, a competência do juízo da recuperação é limitada. Conforme decidido no CC 191.533, o juízo da recuperação não pode controlar atos constritivos em execuções de créditos extraconcursais (como créditos trabalhistas) que não recaiam sobre bens essenciais à atividade empresarial.
No caso analisado, um trabalhador tentou executar um crédito trabalhista contra uma empresa em recuperação judicial. O juízo trabalhista indeferiu a execução, entendendo que ela deveria ocorrer no juízo da recuperação. No entanto, o STJ decidiu que, após o término do stay period, o credor extraconcursal deve ter seu crédito satisfeito normalmente, sem interferência do juízo da recuperação.
Esse entendimento reforça que o princípio da preservação da empresa não é absoluto. Após o período de blindagem, os credores extraconcursais têm direito à satisfação de seus créditos, desde que não comprometam a continuidade das atividades empresariais.
6. A Proteção dos Bens Essenciais à Atividade Empresarial.

Mesmo após o término do stay period, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que bens essenciais à atividade empresarial não podem ser penhorados ou leiloados. No REsp 2.061.093, a Quarta Turma do STJ negou o pedido de credores fiduciários para apreender máquinas industriais de uma empresa em recuperação.
O ministro Raul Araújo, relator do caso, destacou que, embora os credores fiduciários não estejam sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, o juízo da recuperação é competente para avaliar se o bem é indispensável à atividade produtiva da empresa. Conforme o parágrafo 3º do artigo 49 da Lei 11.101/2005, bens de capital essenciais à atividade empresarial não podem ser retirados do estabelecimento do devedor.
7. Conclusão: O Stay Period como Ferramenta de Preservação Empresarial.

O stay period é um dos pilares da recuperação judicial, criado para garantir que a empresa em crise tenha condições de se reestruturar e honrar seus compromissos.
Ao suspender temporariamente as execuções individuais, o mecanismo evita a desagregação do patrimônio empresarial e promove um ambiente de negociação equilibrada entre a empresa e seus credores.
No entanto, como demonstrado pelos julgamentos do STJ, o stay period não é ilimitado. Sua duração, contagem e efeitos são regulados pela Lei 11.101/2005 e interpretados à luz do princípio da preservação da empresa. Após o término do período de blindagem, os credores extraconcursais têm direito à satisfação de seus créditos, desde que não comprometam a continuidade das atividades empresariais.
Em um cenário econômico desafiador, o stay period continua sendo uma ferramenta essencial para a recuperação de empresas e a preservação de empregos e investimentos. Sua aplicação equilibrada e fundamentada é fundamental para garantir a efetividade da recuperação judicial e a segurança jurídica de todos os envolvidos.