Sumário
Toggle1. Introdução.
Em decisão histórica, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) consolidou, no último dia 25 de novembro de 2024, o entendimento de que as mudanças trazidas pela Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) têm aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, mas apenas em relação aos fatos que ocorrem após sua entrada em vigor.
A tese firmada no julgamento do Tema 23, realizado em sede de Incidente de Recursos Repetitivos (IRR), terá observância obrigatória em toda a Justiça do Trabalho, estabelecendo um marco jurisprudencial relevante para a interpretação das alterações legislativas.
2. O Caso Concreto: As Horas In Itinere.
A decisão foi proferida no contexto de um processo envolvendo uma trabalhadora da JBS S.A., em Porto Velho (RO), que pleiteava o pagamento das chamadas “horas in itinere” — período de deslocamento em transporte fornecido pela empresa.
Antes da Reforma Trabalhista, este tempo era considerado à disposição do empregador e, portanto, remunerado. Com a nova legislação, vigente desde novembro de 2017, a obrigação foi extinta.
Inicialmente, a Terceira Turma do TST reconheceu o direito da trabalhadora ao pagamento das horas in itinere durante todo o contrato, de dezembro de 2013 a janeiro de 2018, considerando que o benefício fazia parte de seu patrimônio jurídico.
No entanto, a JBS recorreu, levando a discussão à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), que remeteu o caso ao Tribunal Pleno do TST, dada a relevância do tema.
3. Mudanças Legais e Contratos em Curso.
O entendimento majoritário do Tribunal foi de que as disposições da Reforma Trabalhista devem ser aplicadas imediatamente aos contratos em curso, mas somente para fatos geradores ocorridos após sua vigência.
Segundo o relator, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, presidente do TST, alterações legislativas como as introduzidas pela Reforma impactam diretamente o regime jurídico imperativo dos contratos, e não o ajuste específico entre as partes.
“A lei nova aplica-se aos fatos futuros e pendentes, sem afetar o valor nominal das parcelas salariais permanentes”, explicou.
O relator destacou ainda que o princípio constitucional da irredutibilidade salarial não protege os benefícios variáveis ou condicionados a fatos futuros. Nesse sentido, o impacto das mudanças legais sobre esses elementos é legítimo e compatível com o ordenamento jurídico.
4. Princípios e Limitações.
Ao afastar a aplicação de princípios como a vedação ao retrocesso social e a norma mais favorável, a decisão esclareceu que essas normas não têm o objetivo de regular conflitos entre legislações sucessivas.
Em vez disso, são aplicáveis à harmonização de regras vigentes simultaneamente ou à preservação de cláusulas contratuais contra modificações promovidas por uma das partes contratantes, mas não por mudanças legislativas.
5. A Tese Vinculante.
Com base nesse raciocínio, foi fixada a seguinte tese de observância obrigatória:
“A Lei nº 13.467/2017 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência.”
No caso concreto, o Pleno do TST decidiu limitar a condenação da JBS ao pagamento das horas de deslocamento até 10 de novembro de 2017, véspera da entrada em vigor da Reforma Trabalhista.
6. Repercussão e Votação.
A decisão foi tomada por maioria, com votos favoráveis ao relator de ministros como Ives Gandra Martins Filho, Vieira de Mello Filho e Maria Cristina Peduzzi.
No entanto, houve divergência, liderada pelo vice-presidente do TST, ministro Mauricio Godinho Delgado, que defendeu que os contratos firmados antes da reforma deveriam ser regidos integralmente pelas regras antigas. Este posicionamento foi acompanhado por outros nove ministros, incluindo José Roberto Pimenta e Kátia Arruda.
A relevância do julgamento é evidenciada pela participação de entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), que acompanharam de perto as discussões.
7. Impactos Práticos.
A decisão do TST traz maior segurança jurídica ao delimitar o alcance das alterações da Reforma Trabalhista, estabelecendo um parâmetro claro para sua aplicação.
Além disso, a tese vinculante orientará decisões futuras em todas as instâncias da Justiça do Trabalho, evitando interpretações divergentes e promovendo a uniformidade da jurisprudência.
A questão é especialmente sensível no Brasil, onde as relações de trabalho frequentemente envolvem contratos de longa duração. O entendimento firmado reforça a importância de equilibrar os direitos adquiridos pelos trabalhadores e a necessidade de adaptação às mudanças legislativas, assegurando previsibilidade tanto para empregados quanto para empregadores.
Essa decisão marca um ponto crucial na consolidação das mudanças introduzidas pela Reforma Trabalhista, reafirmando a atuação do TST como guardião da aplicação uniforme da legislação trabalhista. A discussão, no entanto, ainda pode gerar debates sobre os limites das alterações legislativas em relação a contratos anteriores, especialmente em cenários que envolvam direitos sociais de longa duração.