Sumário
ToggleIntrodução
Em um julgamento recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio da ministra Nancy Andrighi, analisou uma questão envolvendo o direito real de habitação, previsto no artigo 1.831 do Código Civil. O caso diz respeito a uma ação de inventário, iniciada em 2005, onde foi discutido se esse direito poderia ser relativizado em situações excepcionais.
O recurso foi interposto por André Luiz de Saboya Moledo e Solange de Saboya Moledo, que contestavam a manutenção do direito de habitação concedido à viúva Doralice Bezerra Moledo sobre o único imóvel do espólio.
A defesa dos recorrentes argumentou que, embora o direito de habitação tenha caráter protetivo e resguarde o direito à moradia e os laços afetivos do cônjuge sobrevivente, a viúva tinha renda suficiente para garantir sua própria moradia, recebendo uma pensão vitalícia em valor elevado. Em contraste, os herdeiros, netos do falecido, residem em imóveis alugados e alegaram não receber pensões.
A decisão da ministra Nancy Andrighi reconheceu o caráter pessoal e vitalício do direito de habitação, destinado a proteger o cônjuge sobrevivente e preservar o vínculo emocional com o lar familiar. Contudo, o STJ determinou que o direito real de habitação não é absoluto. Em casos excepcionais, onde o direito dos herdeiros prevalece e a manutenção desse direito não cumpre mais sua função social, ele pode ser mitigado. Assim, no caso específico, a ministra decidiu afastar o direito de habitação da viúva em benefício dos herdeiros, permitindo que eles pudessem usufruir do imóvel.
Esse julgamento é um marco importante, pois reforça a possibilidade de relativização do direito de habitação em prol de herdeiros em situações excepcionais.
RELATÓRIO DO CASO
No julgamento do Recurso Especial nº 2151939 – RJ, a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, analisou o pedido de André Luiz de Saboya Moledo e Solange de Saboya Schoenrock para que fosse revisto o direito de habitação atribuído a Doralice Bezerra Moledo, ex-cônjuge do falecido Roberto Ramires Moledo, sobre o único imóvel deixado como herança.
Contexto do Caso
O processo iniciou-se com o inventário dos bens de Roberto Ramires Moledo, no qual seus descendentes, André Luiz e Solange, disputam com a ex-cônjuge do falecido, Doralice, o direito de permanência no imóvel.
Em primeira instância, o juiz manteve o direito real de habitação em favor de Doralice, decisão confirmada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). O TJRJ considerou que o direito de habitação visa a assegurar o direito constitucional à moradia, previsto no artigo 6º da Constituição Federal, em benefício do cônjuge supérstite.
Argumentos dos Recorrentes
Inconformados com a decisão, André Luiz e Solange recorreram ao STJ, alegando que o direito de habitação da ex-cônjuge deveria ser relativizado, em função de:
- Condição financeira da recorrida: Doralice recebe uma pensão vitalícia considerável, equiparada à de um Procurador Federal ativo, e possui mais de R$ 400 mil em conta bancária. Os recorrentes argumentam que ela possui condições financeiras para morar em outro imóvel de padrão equivalente ao do inventariado.
- Único imóvel inventariado: O imóvel em questão é o único bem deixado pelo falecido. Os recorrentes sustentam que, sendo Doralice apenas 13 e 15 anos mais velha que os herdeiros, respectivamente, a manutenção do direito de habitação impedirá que usufruam do bem herdado por um longo período.
- Comportamento da recorrida: Os recorrentes alegam que Doralice teria praticado atos de má-fé ao longo do inventário, prejudicando o patrimônio e a memória do falecido, e que tal conduta deveria afastar a proteção jurídica do direito de habitação.
Diante disso, os herdeiros solicitaram ao STJ que anulasse a decisão do TJRJ, excluindo o direito de habitação concedido a Doralice. Em alternativa, pediram a anulação do acórdão que julgou os embargos de declaração para que o tribunal reexaminasse as omissões apontadas.
Posicionamento do Ministério Público Federal (MPF).
O MPF considerou que o processo poderia ser julgado sem uma manifestação específica sobre o mérito, opinando pelo julgamento direto do recurso.
Esse contexto foi essencial para fundamentar a decisão da ministra Nancy Andrighi, que reconheceu a possibilidade de relativizar o direito de habitação em situações excepcionais, favorecendo, neste caso, os herdeiros.
VOTO RELATORA
A Ministra Nancy Andrighi aborda, em seu voto, a aplicabilidade e os limites do direito real de habitação para o cônjuge ou companheiro sobrevivente, conforme previsto no artigo 1.831 do Código Civil. Este direito, que visa garantir a permanência do sobrevivente no imóvel residencial comum, tem caráter protetivo, fundamentando-se na dignidade e na preservação de laços afetivos do lar compartilhado.
No entanto, o voto sugere que o direito não é absoluto e pode ser relativizado em situações excepcionais. Andrighi explora o entendimento de que, se o cônjuge supérstite possui outros meios de garantir uma moradia digna e há herdeiros em situação vulnerável ou de necessidade do imóvel, o direito de habitação pode ser mitigado.
A Ministra cita doutrinas e precedentes que recomendam uma interpretação casuística e uma ponderação entre o direito de moradia do sobrevivente e o direito de propriedade dos herdeiros.
Esse posicionamento visa equilibrar a proteção do cônjuge supérstite com a realidade e necessidades dos herdeiros, especialmente em contextos onde manter o direito de habitação representaria um ônus desproporcional ou injusto para eles.
Ao fim, Andrighi propõe que o direito de habitação seja interpretado de modo a atender aos fins sociais e ao bem comum, de acordo com o artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, permitindo sua relativização em casos específicos.