Sumário
Toggle1. Introdução: A Complexidade da Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho.

A relação entre empregador e empregado é regida por um conjunto de normas que visam garantir o equilíbrio entre os interesses das partes, especialmente no que diz respeito à segurança e à integridade física do trabalhador.
No entanto, quando ocorre um acidente de trabalho, surge a questão sobre a responsabilidade civil do empregador: ele deve ser responsabilizado apenas quando há culpa comprovada (responsabilidade subjetiva) ou em situações em que a atividade desenvolvida implica riscos inerentes, independentemente de culpa (responsabilidade objetiva)?
O caso do vigilante de clínica psiquiátrica, julgado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) no processo nº TST-RR-10686-75.2023.5.03.0086, traz à tona essa discussão. O trabalhador, designado para resgatar um paciente em surto psiquiátrico, sofreu queimaduras graves após o paciente atear fogo à residência onde se encontrava.
A decisão do TST, ao aplicar a responsabilidade objetiva do empregador, fundamentada no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil e no artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), oferece uma oportunidade valiosa para refletir sobre os limites e os critérios da responsabilidade civil no âmbito trabalhista.
Este artigo tem como objetivo analisar os aspectos jurídicos do caso, explorando os fundamentos legais da decisão do TST e discutindo os princípios da responsabilidade civil, tanto subjetiva quanto objetiva, no contexto dos acidentes de trabalho.
Além disso, serão abordados os conceitos de transcendência política e jurídica, que justificaram o conhecimento do recurso de revista pelo TST, e a relevância social da decisão para a proteção dos direitos dos trabalhadores.
2. Responsabilidade Civil do Empregador: Subjetiva x Objetiva.

A responsabilidade civil do empregador pode ser subjetiva ou objetiva.
Na responsabilidade subjetiva, prevista no artigo 186 do Código Civil, é necessário comprovar a culpa ou dolo do empregador para que haja a obrigação de indenizar.
Já a responsabilidade objetiva, estabelecida no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, dispensa a prova de culpa, exigindo apenas a demonstração do dano e do nexo causal entre a atividade desenvolvida e o evento lesivo.
No caso em análise, o TST aplicou a responsabilidade objetiva, entendendo que a atividade desenvolvida pelo vigilante de clínica psiquiátrica envolvia riscos inerentes à sua função, especialmente ao ser designado para resgatar um paciente em surto psiquiátrico.
O Tribunal entendeu que, mesmo que a atividade econômica da empregadora não fosse, à primeira vista, considerada de risco, a função específica do reclamante expunha-o a perigos potenciais, o que justificaria a aplicação da responsabilidade objetiva.
3. Fundamentação Legal: Artigo 927, Parágrafo Único, do Código Civil.

O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, estabelece que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
No caso do vigilante de clínica psiquiátrica, o TST entendeu que a atividade de resgate de pacientes em surto psiquiátrico configurava um risco inerente à função, especialmente considerando a imprevisibilidade do comportamento do paciente e a falta de treinamento adequado do empregado para lidar com situações de alto risco.
Além disso, o artigo 2º da CLT reforça a responsabilidade do empregador ao estabelecer que a empresa, ao assumir o risco da atividade econômica, deve zelar pela segurança e integridade física dos empregados.
A decisão do TST destacou que a empregadora, ao designar o vigilante para uma função que não era compatível com suas habilidades e treinamento, agiu com culpa, expondo-o a um risco exacerbado.
4. Transcendência Política e Jurídica do Caso.

O TST reconheceu a transcendência política do caso, nos termos do artigo 896-A, § 1º, II, da CLT, ao considerar que a decisão poderia contrariar a jurisprudência consolidada da Corte sobre a responsabilidade objetiva do empregador em acidentes de trabalho.
A transcendência política é um requisito para o conhecimento do recurso de revista, que permite ao TST uniformizar a interpretação da legislação trabalhista, garantindo a segurança jurídica e a coerência das decisões.
O caso também possui relevância social, pois envolve a proteção dos direitos fundamentais dos trabalhadores, especialmente o direito à segurança e à saúde no ambiente de trabalho, previstos no artigo 7º, XXII, da Constituição Federal.
A decisão do TST reforça a importância de garantir que os empregadores adotem medidas adequadas para proteger os empregados de riscos inerentes às suas funções, especialmente em atividades que envolvem alto grau de periculosidade.
5. Aplicação da Responsabilidade Objetiva no Caso Concreto.

No caso concreto, o TST entendeu que a empregadora deveria ser responsabilizada objetivamente pelos danos sofridos pelo vigilante, mesmo que o acidente tenha sido causado por um terceiro (o paciente em surto psiquiátrico).
O Tribunal destacou que a ação danosa do paciente não era estranha à atividade para a qual o reclamante foi designado, pois o sinistro ocorreu durante uma operação de resgate de paciente em surto, atividade que pressupõe riscos à integridade física dos empregados.
O TST também considerou que a empregadora agiu com culpa ao designar o vigilante para uma função que não era compatível com suas habilidades e treinamento, expondo-o a um risco exacerbado. Dessa forma, mesmo que a responsabilidade objetiva não fosse aplicável, a empregadora ainda poderia ser responsabilizada com base na teoria subjetiva, por ter agido com negligência ao não fornecer treinamento adequado ao empregado.
6. Conclusão.

O caso do vigilante de clínica psiquiátrica ilustra a complexidade da aplicação da responsabilidade civil do empregador em acidentes de trabalho, especialmente em atividades que envolvem riscos inerentes.
A decisão do TST reforça a importância de garantir a segurança e a integridade física dos trabalhadores, aplicando a responsabilidade objetiva quando a atividade desenvolvida implica riscos para os direitos dos empregados.
A fundamentação legal do caso, baseada no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, e no artigo 2º da CLT, demonstra a necessidade de os empregadores adotarem medidas adequadas para proteger os empregados de riscos inerentes às suas funções, especialmente em atividades que envolvem alto grau de periculosidade.
A decisão também destaca a importância da transcendência política e jurídica na uniformização da interpretação da legislação trabalhista, garantindo a segurança jurídica e a coerência das decisões.