Sumário
Toggle1. O Julgamento no STJ: Uma Análise Jurídica e Implicações Práticas.
No julgamento recente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), analisou-se a controvérsia envolvendo a competência territorial para o processamento de ação indenizatória por danos materiais e morais decorrentes de alegada fraude em procuração pública.
Este caso, que inicialmente tramitava no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), lança luz sobre a relação entre normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o Código de Processo Civil (CPC/2015).
2. O Contexto do Caso.
A ação foi ajuizada pela Rosbras Incorporadora de Imóveis, alegando prejuízo decorrente da utilização de uma procuração pública fraudulenta lavrada pelo 2º Tabelionato de Notas e 1º de Protesto de Títulos da Comarca de Florianópolis. A procuração teria viabilizado a venda indevida de um imóvel, resultando em danos financeiros e emocionais à parte autora.
3. A Questão da Competência Territorial.
A principal controvérsia no caso consistia em determinar qual foro seria competente para processar e julgar a ação. A discussão girava em torno de dois dispositivos legais:
- Artigo 101, inciso I, do CDC: Estabelece que o consumidor pode propor ação no foro de seu domicílio, visando facilitar o acesso à Justiça.
- Artigo 53, inciso III, alínea “f”, do CPC/2015: Define que ações de reparação de danos por atos praticados por serventias notariais devem ser ajuizadas no foro da sede da serventia.
O CPC/2015, norma mais recente, introduziu a regra específica sobre atos notariais, o que gerou um aparente conflito de normas. Nesse cenário, o STJ foi chamado a interpretar os dispositivos e decidir qual deles prevaleceria.
4. Os Argumentos das Partes.
A Rosbras Incorporadora de Imóveis sustentou que, como consumidora equiparada, tinha o direito de ajuizar a ação em seu domicílio, nos termos do CDC. Argumentou que a conduta do tabelião caracterizava prestação de serviço sujeita às normas consumeristas, dado o prejuízo sofrido pela parte autora.
Por outro lado, o tabelião e a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG), admitida como amicus curiae, defenderam a aplicação do artigo 53, III, “f”, do CPC/2015. Argumentaram que a regra específica do CPC deveria prevalecer sobre o CDC, dada sua natureza especial e a intenção do legislador de garantir segurança jurídica nas ações relacionadas a serviços notariais.
5. Decisão do STJ.
O STJ reconheceu que o artigo 53, III, “f”, do CPC/2015 é a norma aplicável ao caso. Considerou que a regra específica, mais recente, reflete a necessidade de proteger a fé pública dos atos notariais, assegurando que eventuais questionamentos sejam processados no foro da sede da serventia.
Destacou-se ainda que a aplicação do CDC a relações com serviços notariais é controversa, pois esses serviços não são regidos por normas estritamente consumeristas.
Com isso, o tribunal decidiu que a competência territorial deve ser fixada na sede da serventia notarial onde ocorreu o ato contestado, independentemente da aplicação de normas do CDC.
6. Análise Jurídica.
A decisão do STJ reforça a importância da hierarquia e da especialidade das normas. No direito brasileiro, normas específicas prevalecem sobre normas gerais quando tratam de questões detalhadas. Assim, a regra do artigo 53, III, “f”, do CPC/2015, que trata especificamente da competência territorial em ações envolvendo atos notariais, prevaleceu sobre a norma geral do CDC.
Além disso, a decisão destaca o papel fundamental dos tabelionatos como delegatários do poder público, com a responsabilidade de assegurar a autenticidade e a segurança jurídica dos atos que lavram. Nesse contexto, o foro da sede da serventia surge como o mais apropriado para dirimir disputas, evitando a pulverização de processos judiciais em diferentes localidades.
7. Implicações Práticas.
A decisão impacta diretamente consumidores e profissionais do direito. Para consumidores que pretendem ajuizar ações contra tabeliães, a fixação da competência no foro da sede da serventia pode representar um obstáculo prático, aumentando os custos e dificultando o acesso à Justiça.
Por outro lado, para os notários, a decisão garante maior previsibilidade e estabilidade, centralizando eventuais litígios no foro onde a atividade é exercida.
Ainda, a decisão levanta questionamentos sobre a aplicabilidade do CDC em relações com serviços notariais. Embora o STJ tenha enfatizado a especificidade do CPC/2015, o debate sobre a natureza consumerista desses serviços permanece em aberto, especialmente em casos que envolvam consumidores hipossuficientes.
8. Conclusão.
O julgamento do STJ reafirma a relevância da interpretação sistemática das normas processuais e consumeristas, conciliando os princípios do acesso à Justiça e da segurança jurídica. A fixação do foro no local da serventia notarial visa preservar a fé pública dos atos notariais, mas pode implicar desafios para consumidores que buscam reparação.
Assim, a decisão reflete o equilíbrio entre interesses coletivos e individuais, demonstrando a complexidade da aplicação do direito em situações concretas. Advogados, tabeliães e consumidores devem estar atentos às nuances desse entendimento, que moldará futuras ações envolvendo serviços notariais.