Sumário
Toggle1. Introdução.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou, em recente julgamento, a coexistência harmoniosa entre o bem de família legal, previsto na Lei 8.009/1990, e o bem de família voluntário, regulado pelo Código de Processo Civil (CPC) de 2015 e pelo Código Civil de 2002.
2. O Caso em Discussão.
O processo teve origem em uma execução fiscal movida pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) contra Joseph Brais, devedor solidário, que invocou a impenhorabilidade do imóvel onde reside com sua família, com base na Lei 8.009/1990.
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região havia acolhido o recurso do Inmetro, reconhecendo que o atual CPC teria, ao regulamentar as hipóteses de impenhorabilidade, revogado tacitamente a Lei 8.009/1990. Além disso, argumentou que o imóvel em questão não estava registrado formalmente como bem de família, um dos requisitos previstos para a proteção convencional.
Joseph Brais recorreu ao STJ, sustentando que a proteção do bem de família legal não exige o registro voluntário do imóvel e que o CPC de 2015 não revogou as garantias instituídas pela legislação anterior.
3. O Entendimento do STJ.
No julgamento, o Ministro Paulo Sérgio Domingues rejeitou a tese de revogação tácita da Lei 8.009/1990, enfatizando que o CPC de 2015 não substitui os diplomas legais que regulamentam a matéria, mas sim os complementa. O artigo 832 do CPC, por exemplo, admite expressamente a impenhorabilidade de bens declarados inalienáveis ou impenhoráveis por outras leis.
O relator destacou ainda que o bem de família legal, instituído pela Lei 8.009/1990, independe de registro formal e se destina a proteger o imóvel residencial da família, garantindo sua dignidade e segurança patrimonial. Este instituto não conflita com o bem de família voluntário, que exige formalidades específicas, mas possui objetivos diferentes.
“Esses dois regimes coexistem no ordenamento jurídico brasileiro, oferecendo camadas complementares de proteção patrimonial às famílias. O bem de família legal é de ordem pública e não depende de ato do proprietário, enquanto o voluntário é uma escolha do titular, com requisitos próprios de constituição e alcance limitado às dívidas posteriores à sua instituição”, afirmou o relator.
4. Precedentes e Implicações.
A decisão reforçou a jurisprudência consolidada no STJ sobre a coexistência dos dois regimes de proteção. O Tribunal citou precedentes anteriores, como o REsp nº 1.792.265/SP, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, que já havia confirmado a convivência harmoniosa entre o bem de família legal e o voluntário.
Um dos pontos mais relevantes é a reafirmação de que a proteção do bem de família legal não exige que o imóvel seja o único de propriedade do devedor, mas sim que seja utilizado como residência familiar. Além disso, a impenhorabilidade alcança todas as obrigações do devedor, inclusive as anteriores à aquisição do bem.
A decisão tem impacto significativo no campo das execuções fiscais e na proteção ao patrimônio familiar, servindo como um balizador importante para as instâncias inferiores.
5. Conclusão.
A reafirmação da validade da Lei 8.009/1990 como instrumento de proteção ao bem de família legal representa uma vitória para a segurança jurídica e para a proteção da dignidade das famílias brasileiras.
O entendimento do STJ reforça que a impenhorabilidade do imóvel residencial é um direito fundamental, preservando a moradia como núcleo essencial para a estabilidade social e econômica.
Essa decisão serve como um marco para o equilíbrio entre o direito do credor de buscar o ressarcimento de dívidas e a necessidade de salvaguardar o mínimo existencial das famílias, em conformidade com os princípios constitucionais.