Sumário
ToggleInimputabilidade e Direito à Indenização: Análise do Caso do Seguro de Vida.
Introdução.

Em recente julgamento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu um caso polêmico envolvendo um beneficiário de seguro de vida que, durante um surto esquizofrênico, matou a própria mãe, segurada do contrato.
A decisão confirmou o direito do filho à indenização, mesmo diante do ato violento, devido à sua inimputabilidade penal e civil.
O caso traz à tona discussões fundamentais sobre responsabilidade civil, capacidade cognitiva e a aplicação do Código Civil em situações de transtorno mental.
Neste artigo, analisaremos os argumentos jurídicos que embasaram a decisão, os dispositivos legais aplicáveis e os impactos dessa interpretação no Direito Securitário.
1. O Caso Concreto: Homicídio Durante Surto Esquizofrênico.

Em 2013, uma mãe contratou um seguro de vida no valor de R$ 113 mil, designando seu filho como beneficiário exclusivo. No mesmo ano, o rapaz, em surto psicótico decorrente de esquizofrenia, atropelou e matou a mãe.
No processo criminal, ele foi absolvido por inimputabilidade (art. 26 do Código Penal), pois ficou comprovado que, no momento do crime, não tinha discernimento para entender o caráter ilícito do ato.
Posteriormente, na esfera cível, o beneficiário buscou receber a indenização do seguro, mas a seguradora recusou-se a pagar, alegando que o homicídio doloso (art. 768 do Código Civil) impedia o recebimento.
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) reformou a decisão de primeira instância, entendendo que, por ser inimputável, o filho não agiu com dolo. O caso chegou ao STJ, que confirmou o direito à indenização.
2. Inimputabilidade Penal e Civil: Conceitos e Diferenças.

2.1. Inimputabilidade no Direito Penal (Art. 26 do CP).
O Código Penal (Art. 26) estabelece que:
“É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.”
Ou seja, o inimputável não pode ser penalmente responsabilizado, pois não tinha consciência de seus atos.
2.2. Incapacidade Civil (Art. 3º e 4º do CC/2002).
No Direito Civil, a capacidade está ligada à aptidão para praticar atos da vida civil. O art. 3º do Código Civil considera absolutamente incapaz:
“Os menores de 16 anos; os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento; e os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.”
Ou seja, uma pessoa em surto psicótico pode ser considerada incapaz civilmente, invalidando atos jurídicos praticados nesse estado.
3. O Artigo 768 do Código Civil e a Intencionalidade do Ato.

A seguradora sustentou que o art. 768 do CC impediria o pagamento:
“Perde o direito à garantia o segurado que, por culpa grave ou dolo, agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.”
No entanto, a ministra Nancy Andrighi destacou que:
- Inimputáveis não agem com dolo, pois não têm vontade civilmente relevante.
- O art. 768 exige intenção (dolo), o que não ocorre em casos de surto psicótico.
- Se o beneficiário não tem capacidade civil, não pode “intencionalmente” agravar o risco.
Assim, não houve violação do contrato de seguro, pois o ato foi involuntário.
4. Lacuna Legislativa e a Nova Lei 15.040/2024: O Futuro da Regulação em Sinistros com Beneficiários Inimputáveis.

4.1. A Omissão Legal no Caso Concreto.
No momento dos fatos (2013), não havia previsão legal específica sobre as consequências de um ato ilícito praticado por um beneficiário inimputável em contrato de seguro.
Essa lacuna legislativa obrigou o STJ a decidir com base em analogia (art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB), aplicando o art. 768 do Código Civil, que trata do agravo intencional do risco pelo segurado ou beneficiário.
A ministra Nancy Andrighi destacou que, por falta de norma expressa, era necessário recorrer a princípios gerais do Direito Civil, como:
- A impossibilidade de imputação de dolo a um incapaz (art. 3º, CC/2002);
- A ausência de vontade civilmente válida em atos praticados durante surto psicótico (art. 166, I, CC/2002);
- A necessidade de preservar a coerência do sistema jurídico, já que um inimputável não pode ser punido penalmente e, ao mesmo tempo, ser penalizado civilmente pelo mesmo fato.
4.2. A Lei 15.040/2024: Uma Solução Legislativa para Casos Futuros.
Em 2024, o Congresso Nacional aprovou a Lei 15.040, que regulamenta expressamente situações em que o beneficiário pratica ato ilícito contra o segurado. Entre suas disposições, destacam-se:
- Exclusão do direito à indenização se o beneficiário agir com dolo ou culpa grave;
- Preservação do benefício se o ato for cometido por inimputável (equiparando-se à lógica do STJ no caso analisado);
- Regras mais claras para evitar litígios judiciais em situações semelhantes.
No entanto, a lei tem vacatio legis até dezembro de 2025, ou seja, não se aplica retroativamente ao caso julgado.
4.3. Impactos da Nova Lei no Direito Securitário.
A Lei 15.040/2024 representa um avanço, pois:
- Traz segurança jurídica para seguradoras e beneficiários;
- Evita decisões casuísticas, estabelecendo parâmetros objetivos;
- Alinha-se ao entendimento do STJ, reconhecendo que inimputáveis não podem ser penalizados civilmente por atos involuntários.
Por outro lado, novos desafios podem surgir, como:
- Como comprovar a inimputabilidade no momento do sinistro? (laudos periciais serão essenciais);
- Haverá aumento de ações judiciais questionando “culpa grave” x “inimputabilidade”?
4.4. A Importância da Regulação Específica.
O caso julgado pelo STJ mostrou a necessidade de legislação clara sobre o tema. A Lei 15.040/2024 vem preencher essa lacuna, mas sua efetividade só poderá ser avaliada após sua entrada em vigor.
Enquanto isso, o precedente do STJ continua válido: inimputáveis não perdem o direito ao seguro por atos cometidos sem consciência, garantindo equilíbrio entre justiça contratual e proteção aos vulneráveis.
5. Conclusão: Justiça, Equilíbrio Contratual e Proteção aos Vulneráveis – O Legado Deste Julgamento.

O caso analisado pelo STJ vai além de uma simples discussão sobre indenização securitária – ele estabelece um marco civilizatório no Direito Brasileiro, reforçando que:
5.1. O Direito Não Pode Punir Quem Não Tem Culpa.
A decisão mantém coerência com os princípios constitucionais de dignidade humana e proteção aos vulneráveis (art. 1º, III, CF/88).
Se o ordenamento jurídico absolve penalmente um inimputável (art. 26 do CP), seria contraditório penalizá-lo civilmente pelo mesmo fato.
5.2. Segurança Jurídica nos Contratos de Seguro.
A aplicação analógica do art. 768 do CC demonstra que:
- Seguradoras não podem se eximir de pagar indenizações quando o sinistro decorre de ato involuntário;
- A boa-fé contratual deve prevalecer, especialmente quando uma das partes está em evidente estado de incapacidade.
5.3. A Lei 15.040/2024 e o Futuro dos Litígios Securitários.
A nova legislação, embora ainda não em vigor, consolida o entendimento do STJ, trazendo:
- Maior previsibilidade para contratos de seguro;
- Proteção a beneficiários incapazes, evitando abusos;
- Critérios mais claros para casos de exclusão de cobertura.
5.4. Um Precedente que Reflete a Evolução Social.
Este julgamento não se limita à técnica jurídica – ele espelha uma sociedade que valoriza a saúde mental e a justiça social.
Ao garantir que um esquizofrênico em surto não seja duplamente punido (nem pelo Código Penal, nem pelo Cível), o STJ humaniza o Direito e reforça seu papel transformador.
Em síntese: A decisão equilibra interesses securitários e garantias fundamentais, servindo como referência para futuros casos – seja com base no Código Civil, seja na nova Lei 15.040/2024.
Mais do que uma vitória processual, é um avanço ético que dignifica nosso sistema jurídico.**
6. Destaques :

- “Se a lei não pune quem não tem culpa, por que o contrato de seguro o faria?”
- “A inimputabilidade não é um ‘furo na lei’ – é um dever de proteção do Estado.”
- “Direito Civil e Penal, quando alinhados, constroem uma justiça mais humana.”
Este artigo demonstra como o STJ equilibrou princípios jurídicos em um caso complexo, garantindo que a justiça prevaleça sem desconsiderar a condição mental do beneficiário.
PROCESSO EM SEGREDO DE JUSTIÇA.