Sumário
Toggle1. Análise do Recurso Especial Nº 2015598 – PA e a Prevalência da Lei Maria da Penha sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente – Introdução.

O caso em análise, referente ao Recurso Especial Nº 2015598 – PA, traz à discussão no âmbito do Direito Processual Penal brasileiro, a competência para julgar crimes de estupro de vulnerável cometidos no contexto de violência doméstica e familiar contra mulheres, especialmente quando as vítimas são crianças ou adolescentes.
O recurso, interposto pelo Ministério Público do Estado do Pará, questiona a competência da Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Santarém/PA para processar e julgar tais crimes, em detrimento da 2ª Vara Criminal da mesma comarca.
2. Contextualização do Caso.

O caso envolve um investigado acusado de cometer estupro de vulnerável contra suas três filhas menores de idade, todas do sexo feminino.
O Tribunal de Justiça do Pará entendeu que a competência para julgar o caso caberia à Vara Especializada em Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com base na aplicação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006).
O Ministério Público, no entanto, alega que a competência deveria ser da Vara Criminal comum, argumentando que a violência sexual praticada contra as vítimas decorreu mais da imaturidade biológica das menores e do poder paterno do que da condição de gênero.
3. A Questão Jurídica em Debate.

A controvérsia central reside na interpretação do art. 13 da Lei Maria da Penha, que estabelece a prevalência de suas disposições sobre outras normas específicas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), quando houver conflito.
A questão é saber se a condição de gênero feminino, independentemente de a vítima ser criança ou adolescente, é suficiente para atrair a aplicabilidade da Lei Maria da Penha em casos de violência doméstica e familiar, afastando a incidência do ECA.
4. Fundamentação Legal e Jurisprudencial.

A Lei Maria da Penha foi criada para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme disposto no art. 1º da Lei nº 11.340/2006.
O art. 5º da referida lei define violência doméstica e familiar contra a mulher como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
O art. 7º, inciso III, especifica que a violência sexual é uma das formas de violência doméstica e familiar.
O art. 13 da Lei Maria da Penha é claro ao estabelecer que, em caso de conflito com outras normas, como o ECA, as disposições da Lei Maria da Penha prevalecerão.
Isso significa que, mesmo quando a vítima é uma criança ou adolescente, a competência para julgar crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher será da Vara Especializada, desde que a violência ocorra no âmbito doméstico ou familiar.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reforçado essa interpretação. No julgamento do RHC nº 121.813/RJ, a Sexta Turma do STJ entendeu que a Lei Maria da Penha não exige que a motivação do agressor seja de gênero, bastando que a vítima seja mulher e que a violência ocorra no âmbito doméstico ou familiar.
A Terceira Seção do STJ, no julgamento do EAREsp nº 2.099.532/RJ, também decidiu que a idade da vítima, por si só, não é elemento apto a afastar a competência da Vara Especializada.
5. Análise do Caso Concreto.

No caso em questão, o Tribunal de Justiça do Pará entendeu que a violência sexual praticada pelo investigado contra suas filhas menores ocorreu no âmbito doméstico e familiar, configurando-se, portanto, como violência de gênero.
O fato de as vítimas serem crianças não afasta a aplicação da Lei Maria da Penha, pois a vulnerabilidade da mulher é preponderante sobre a vulnerabilidade etária.
O acórdão impugnado destacou que o único filho homem do investigado, que também residia com ele, não sofreu qualquer ato libidinoso, o que reforça a tese de que o gênero das vítimas foi determinante para a prática dos crimes.
Assim, a competência para julgar o caso deve ser da Vara Especializada em Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, conforme previsto no art. 14 da Lei Maria da Penha.
6. Conclusão.

O Recurso Especial Nº 2015598 – PA traz à discussão relevante sobre a aplicação da Lei Maria da Penha em casos de violência sexual contra crianças e adolescentes do sexo feminino.
A interpretação sistemática da legislação e a jurisprudência do STJ, indicam que a condição de gênero feminino é suficiente para atrair a aplicabilidade da Lei Maria da Penha, prevalecendo sobre a questão etária.
A decisão do Tribunal de Justiça do Pará, ao declarar a competência da Vara Especializada, está em consonância com o disposto no art. 13 da Lei Maria da Penha e com a jurisprudência do STJ.
A proteção das mulheres, independentemente de sua idade, deve ser prioritária, especialmente quando a violência ocorre no âmbito doméstico e familiar, onde a vulnerabilidade é ainda mais acentuada.
Este artigo busca elucidar o tema, oferecendo uma análise fundamentada na legislação e na jurisprudência, com o objetivo de contribuir para o debate jurídico e a proteção dos direitos das mulheres, especialmente daquelas em situação de vulnerabilidade.