Análise Jurídica do Caso Renato Borba Medeiros Azevedo e a Jurisprudência do STJ e STF sobre Concurso Público e Nomeação.
Sumário
Toggle1. Introdução.

O direito administrativo brasileiro, em especial no que tange aos concursos públicos, é marcado por debates intensos sobre a nomeação de candidatos aprovados fora do número de vagas previstas em edital.
O caso do AgInt no Recurso em Mandado de Segurança nº 70671 – MG (2023/0033672-9), relatado pelo Ministro Benedito Gonçalves, traz à tona uma discussão relevante: a distinção entre expectativa de direito e direito subjetivo à nomeação.
Este artigo analisa o julgamento, fundamentando-se na legislação e na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), para esclarecer os termos jurídicos e os princípios aplicáveis ao tema.
2. O Caso Concreto: Renato Borba Medeiros Azevedo e o Concurso Público do TJMG.

O caso em análise envolve o candidato Renato Borba Medeiros Azevedo, aprovado no concurso público para o cargo de Oficial Judiciário, classe D, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).
O edital previa vagas para pessoas com deficiência (PCD), e o candidato foi classificado na 127ª posição, fora do número inicial de vagas ofertadas. Durante a validade do concurso, surgiram novas vagas, mas o candidato não foi nomeado, o que levou à impetração de um mandado de segurança.
O TJMG negou o pedido, entendendo que o candidato não possuía direito líquido e certo à nomeação, mas apenas uma expectativa de direito. O caso foi levado ao STJ, que manteve a decisão, reforçando a jurisprudência dominante sobre o tema.
3. Expectativa de Direito x Direito Subjetivo à Nomeação.

A distinção entre expectativa de direito e direito subjetivo é central no caso. Conforme o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, a investidura em cargo público depende de aprovação em concurso público. No entanto, a nomeação não é automática, mesmo para candidatos aprovados.
- Expectativa de Direito: É a possibilidade de ser nomeado, que surge com a aprovação no concurso. No entanto, essa expectativa só se concretiza se o candidato estiver dentro do número de vagas previstas no edital ou se houver desistência de candidatos melhor classificados. O STJ e o STF têm reiterado que a mera expectativa não gera direito à nomeação, salvo em casos excepcionais.
- Direito Subjetivo: É o direito concreto à nomeação, que surge quando o candidato está dentro do número de vagas ofertadas ou quando há preterição arbitrária e imotivada por parte da administração pública. Nesses casos, a expectativa se transforma em direito subjetivo, conforme estabelecido no RE 837.311/PI, julgado pelo STF, após o reconhecimento da repercussão geral.
4. A Jurisprudência do STF e do STJ.

O STF, no julgamento do RE 837.311/PI, fixou a tese de que o surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso durante a validade do certame anterior não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital.
A nomeação só é devida em casos de preterição arbitrária e imotivada, caracterizada por comportamento tácito ou expresso da administração que revele a necessidade de nomeação.
No caso em análise, o STJ seguiu essa orientação, entendendo que o candidato não comprovou a ocorrência de preterição ou a necessidade de nomeação.
Além disso, o tribunal destacou que a administração pública possui discricionariedade para decidir sobre a convocação de candidatos, desde que respeitados os princípios da impessoalidade, moralidade e eficiência (artigo 37 da CF/88).
4.1. Preterição Arbitrária e Imotivada: Conceito e Aplicação no Direito Administrativo.
A preterição arbitrária e imotivada é um conceito fundamental no direito administrativo, especialmente no contexto de concursos públicos. Trata-se de uma conduta da administração pública que viola os princípios constitucionais da impessoalidade, moralidade e eficiência (artigo 37 da Constituição Federal), ao deixar de nomear candidatos aprovados sem justificativa razoável ou fundamentação legal
4.2. O que é Preterição Arbitrária e Imotivada?
A preterição ocorre quando a administração pública deixa de nomear um candidato aprovado em concurso público, mesmo diante da existência de vagas e da necessidade de preenchimento.
Essa conduta é considerada arbitrária e imotivada quando não há uma justificativa plausível para a não nomeação, configurando um ato ilegal e abusivo.
- Arbitrariedade: Refere-se à falta de critérios objetivos e razoáveis para a decisão da administração. A nomeação de candidatos deve seguir a ordem de classificação estabelecida no edital, respeitando o princípio da impessoalidade.
- Imotivação: Significa a ausência de fundamentação legal ou técnica para a decisão. A administração pública não pode agir de forma discricionária sem justificar suas escolhas, sob pena de violar o princípio da motivação dos atos administrativos (artigo 93, IX, da CF/88).
4.3. Quando Configura Preterição Arbitrária e Imotivada?
A preterição arbitrária e imotivada é configurada em situações como:
- Existência de Vagas: Quando há vagas disponíveis e a administração deixa de nomear candidatos aprovados dentro do número de vagas previstas no edital.
- Desistência de Candidatos: Quando candidatos melhor classificados desistem ou são eliminados, e a administração não convoca os próximos da lista, mesmo que isso implique o preenchimento de vagas remanescentes.
- Abertura de Novo Concurso: Quando a administração realiza um novo concurso durante a validade do certame anterior, sem justificativa plausível para não nomear os candidatos aprovados no concurso vigente.
- Comportamento Tácito ou Expresso: Quando a administração demonstra, por meio de atos ou declarações, a necessidade de preenchimento das vagas, mas deixa de nomear os candidatos sem motivo justificado.
4.4. Jurisprudência do STF e STJ sobre Preterição Arbitrária e Imotivada.
O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm firmado entendimento no sentido de que a preterição arbitrária e imotivada viola os princípios constitucionais e gera o direito subjetivo à nomeação.
Vejamos os principais precedentes:
- RE 837.311/PI (STF): O STF estabeleceu que o surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso durante a validade do certame anterior não gera automaticamente o direito à nomeação. No entanto, se houver preterição arbitrária e imotivada, a expectativa de direito do candidato pode se transformar em direito subjetivo.
- AgInt no RMS 51.590/MS (STJ): O STJ reiterou que a administração pública não pode deixar de nomear candidatos aprovados sem justificativa plausível, sob pena de configurar preterição arbitrária e imotivada.
- AgInt no REsp 1.576.096/DF (STJ): O tribunal destacou que a desistência de candidatos melhor classificados pode gerar o direito subjetivo à nomeação para os próximos da lista, desde que comprovada a necessidade de preenchimento das vagas.
4.5. Como Comprovar a Preterição Arbitrária e Imotivada?
Para comprovar a preterição arbitrária e imotivada, o candidato deve apresentar provas concretas de que:
- Havia Vagas Disponíveis: Documentos que comprovem a existência de vagas não preenchidas durante a validade do concurso.
- Necessidade de Preenchimento: Demonstração de que a administração pública tinha a necessidade de preencher as vagas, seja por meio de atos administrativos, portarias ou declarações.
- Ausência de Justificativa: Comprovação de que a administração não apresentou motivos razoáveis para deixar de nomear os candidatos aprovados.
4.6. Consequências da Preterição Arbitrária e Imotivada.
Quando configurada a preterição arbitrária e imotivada, o candidato pode buscar a nomeação por meio de ações judiciais, como o mandado de segurança (Lei nº 12.016/2009). Além disso, a administração pública pode ser responsabilizada por danos morais e materiais, caso a conduta configure abuso de poder ou violação de direitos fundamentais.
5. Aplicação do Código de Processo Civil de 2015.

O julgamento também destacou a aplicação do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), em especial no que diz respeito aos requisitos de admissibilidade do recurso.
Conforme o Enunciado Administrativo n. 3/2016/STJ, os recursos interpostos após a vigência do CPC/2015, devem obedecer às regras previstas no novo código.
No caso, o recurso foi considerado inadmissível por não atender aos requisitos legais.
6. A Discricionariedade da Administração Pública.

Um dos pontos mais relevantes do julgamento é a reafirmação da discricionariedade da administração pública na condução dos concursos públicos.
Conforme o STF, o Poder Judiciário não deve atuar como “Administrador Positivo”, substituindo a administração na decisão sobre a conveniência e oportunidade de nomear candidatos.
A escolha entre prorrogar um concurso ou realizar novo certame é legítima, desde que fundamentada em razões de interesse público.
7. Conclusão: A Importância da Jurisprudência para a Segurança Jurídica.

O caso Renato Borba Medeiros Azevedo reforça a importância da jurisprudência do STF e do STJ para a segurança jurídica dos concursos públicos.
A distinção entre expectativa de direito e direito subjetivo à nomeação é essencial para garantir que a administração pública atue com eficiência e transparência, sem comprometer os princípios constitucionais.
Por fim, o julgamento serve como um alerta para os candidatos: a aprovação em concurso público, por si só, não garante a nomeação. É fundamental compreender as regras do edital e os limites da expectativa de direito, buscando sempre a orientação de um advogado especializado em direito administrativo.
Este artigo busca esclarecer os principais aspectos jurídicos envolvidos no caso, contribuindo para o debate sobre os direitos dos candidatos aprovados em concursos públicos e os limites da atuação da administração pública.
AgInt nos EDcl no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2439292 – SP (2023/0297459-1).