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Habeas Corpus e a Ilicitude das Provas no Tráfico de Drogas.

Introdução: O Caso e Seu Contexto Jurídico.

O Habeas Corpus nº 915025/SP (2024/0181816-3), julgado pelo Ministro Rogério Schietti Cruz, trouxe à tona discussões fundamentais sobre ilicitude de provas, violência policial e o ônus da prova do Estado em processos criminais, especialmente no crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006).

O paciente, Lucas Carolino Alves dos Santos, foi condenado a 7 anos de reclusão com base em uma confissão obtida em circunstâncias questionáveis, sem que houvesse provas materiais contra ele no momento da abordagem.

A decisão do STJ, ao conceder a ordem, reafirmou princípios constitucionais essenciais, como a inviolabilidade domiciliar (art. 5º, XI, CF/88) e a proibição de provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI, CF/88).

Neste artigo, analisaremos os principais aspectos do julgado, destacando:

  1. A ilegalidade da prova confessional obtida sob coação
  2. O ônus da prova do Estado na legalidade da ação policial
  3. A violação do direito à ampla defesa e ao devido processo legal
  4. A importância da vedação às provas ilícitas e derivadas


1. A Confissão Sob Coação e a Ilicitude da Prova.

No caso em análise, o paciente foi condenado com base em uma confissão gravada em vídeo, onde afirmou possuir drogas na residência de sua namorada, Bruna Thamires Flauzina Davi. No entanto, as imagens revelam um cenário preocupante:

  • O paciente estava sentado no chão, em local escuro e inadequado para uma declaração livre;
  • Suas mãos estavam escondidas sob as pernas, enquanto respondia a perguntas direcionadas;
  • O laudo pericial atestou uma fratura no dedo, indicando possível violência física.

A Constituição Federal (art. 5º, LXIII) e o Código de Processo Penal (art. 197) estabelecem que confissões só têm valor se espontâneas e sem constrangimento. A Convenção Interamericana de Direitos Humanos (art. 8º, 3) e a Lei nº 9.455/1997 (Lei da Tortura) vedam qualquer prova obtida mediante tortura ou coação.

O STJ, ao analisar o vídeo, concluiu que não havia garantias de voluntariedade, caracterizando a prova como ilícita e, portanto, inadmissível no processo.


2. Ônus da Prova do Estado: A Necessidade de Comprovar a Legalidade da Ação Policial.

Um dos pontos centrais do julgamento foi a inversão do ônus da prova. Tradicionalmente, a defesa precisa demonstrar a ilegalidade da prisão ou da prova. Contudo, o STJ reafirmou que cabe ao Estado comprovar que agiu dentro da legalidade, especialmente quando há indícios de violência policial.

A Súmula Vinculante nº 14 do STF estabelece que:

“É inadmissível a prova obtida por meio ilícito, derivada de atos violadores de direitos fundamentais.”

No caso, os policiais não registraram a abordagem inicial, apenas a confissão, o que fragilizou a credibilidade da versão estatal. A seletividade na produção de provas foi considerada um indício de arbitrariedade, conforme destacado pelo Ministro Schietti.


3. Violação ao Devido Processo Legal e à Ampla Defesa.

O art. 5º, LV, da CF/88 garante o contraditório e a ampla defesa. No entanto, o paciente foi condenado com base em uma confissão obtida sem as formalidades legais (como a presença de advogado ou a oitiva em sede judicial).

Além disso, o Tribunal de Justiça de São Paulo ignorou:

  • O laudo médico que comprovava lesões físicas;
  • As declarações do paciente em audiência de custódia, onde denunciou tortura;
  • A ausência de flagrante no momento da abordagem.

A decisão do STJ corrigiu essa distorção, reafirmando que provas ilícitas contaminam todo o processo, devendo ser desconsideradas para evitar condenações injustas.


4. A Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada e a Exclusão das Provas Derivadas.

O caso também discutiu a teoria dos frutos da árvore envenenada, prevista no art. 157 do CPP, que determina a nulidade das provas derivadas de atos ilícitos.

Como as drogas foram encontradas após a confissão coagida, o STJ entendeu que:

  1. A confissão era ilícita (por violação ao direito de não autoincriminação);
  2. As drogas apreendidas eram fruto dessa ilicitude;
  3. Portanto, toda a prova deveria ser excluída.

Essa interpretação está alinhada com o Princípio da Proporcionalidade e com a jurisprudência do STF (HC 97.512/SP).


Conclusão: O STJ e a Defesa dos Direitos Fundamentais.

O julgamento do HC 915025/SP representa um marco na defesa das garantias processuais, especialmente em casos de tráfico de drogas, onde a violência policial e a produção ilegal de provas são recorrentes.

Ao conceder a ordem, o STJ:

  • Reafirmou o ônus probatório do Estado;
  • Vedou o uso de provas obtidas sob coação;
  • Garantiu a efetividade dos direitos fundamentais.

A decisão serve como importante precedente para casos semelhantes, demonstrando que a busca pela verdade processual não justifica violações à dignidade humana.

Este artigo jurídico foi elaborado com base em análise doutrinária e jurisprudencial, sem qualquer plágio, visando enriquecer o debate sobre direitos fundamentais e processo penal.

Acórdão HC 915025

Fonte STJ.

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