Sumário
ToggleComo o Uso de Celular em Plantão Configura Horas de Sobreaviso?
Introdução.

O regime de horas de sobreaviso tem sido alvo de intensos debates no Direito do Trabalho brasileiro, especialmente com o avanço da tecnologia e o uso de celulares e notebooks para fins profissionais.
O caso julgado sob o processo TST-RR-1001779-65.2017.5.02.0205 trouxe questões relevantes sobre a caracterização do sobreaviso quando o empregado permanece em escala de plantão, utilizando dispositivos eletrônicos fornecidos pela empresa.
Neste artigo, analisaremos os fundamentos jurídicos do acórdão, a aplicação da Súmula 428 do TST e os requisitos necessários para a configuração do sobreaviso, conforme a CLT e a jurisprudência dominante.
1. O Que São Horas de Sobreaviso?

O sobreaviso está previsto no art. 244, § 2º, da CLT, que originalmente regulamentava a atividade dos ferroviários. Por analogia, a jurisprudência estendeu esse regime a outras categorias profissionais.
De acordo com a lei, considera-se em sobreaviso o empregado que:
- Fica à disposição do empregador, mesmo fora do horário normal de trabalho.
- Tem sua liberdade de locomoção restringida, pois deve estar pronto para atender chamados a qualquer momento.
- Recebe um adicional correspondente a 1/3 do salário-hora normal.
A Súmula 428, II, do TST reforça esse entendimento:
“Considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso.”
Ou seja, não basta simplesmente estar com um celular corporativo – é preciso que haja escala de plantão e controle patronal que restrinja a liberdade do trabalhador.
2. O Caso Concreto: Sobreaviso e Uso de Celular Corporativo.

No processo TST-RR-1001779-65.2017.5.02.0205, um analista sênior do Itaú Unibanco alegou que cumpria plantões fora do expediente, utilizando celular e notebook da empresa para atendimentos emergenciais.
O Tribunal Regional do Trabalho (TRT-2ª Região) inicialmente negou o direito às horas de sobreaviso, sob o argumento de que não havia comprovação de que o empregado permanecia em casa aguardando chamados.
No entanto, o TST reformou essa decisão, entendendo que:
- ✅ Havia escala de plantão formalmente estabelecida.
- ✅ O empregado não podia se ausentar livremente, sob risco de punição.
- ✅ O uso do celular e notebook caracterizava controle patronal.
Assim, ficou claro que o caso se enquadrava no item II da Súmula 428 do TST, configurando sobreaviso remunerado.
3. Requisitos Essenciais para a Configuração do Sobreaviso.

A caracterização do regime de sobreaviso exige a comprovação de elementos concretos, conforme consolidado pela jurisprudência do TST e pela CLT. Vejamos os requisitos indispensáveis:
3.1. Escala de Plantão Formal e Pré-Estabelecida.
- Fundamento Legal: Art. 244, § 2º, da CLT (aplicação analógica) + Súmula 428, II, do TST.
- O que é necessário?
- Existência de um cronograma fixo (ex.: plantão semanal ou mensal).
- Comunicação clara ao empregado sobre seus períodos de prontidão.
- Registro documental (e-mails, escalas impressas, sistemas corporativos).
- Por que isso importa?
- A mera possibilidade de ser chamado não basta. É preciso que o trabalhador saiba quando estará de sobreaviso.
3.2. Controle Patronal Efetivo.
- Fundamento Legal: Súmula 428, II, do TST.
- O que caracteriza?
- Uso de dispositivos fornecidos pela empresa (celular corporativo, notebook, aplicativos de monitoramento).
- Obrigatoriedade de resposta imediata (ex.: chamadas fora do horário que não podem ser ignoradas).
- Comprovação de chamados realizados (logs de ligações, mensagens, registros de atendimento).
- O que não configura sobreaviso?
- Levar o celular da empresa sem obrigação de atendimento imediato.
- Receber ligações esporádicas sem escala prévia.
3.3. Restrição à Liberdade do Empregado.
- Fundamento Jurisprudencial: Precedentes do TST (ex.: AgR-AIRR-1199-62.2019.5.07.0037).
- Como se comprova?
- O empregado não pode se ausentar de seu local de repouso (ex.: deve ficar em casa ou próximo ao trabalho).
- Proibição expressa de viagens ou compromissos pessoais durante o plantão.
- Relatos testemunhais ou documentos que comprovem a limitação (ex.: advertências por não atender chamados).
- Exemplo prático:
- No caso analisado, o TST considerou que o empregado não poderia viajar durante o plantão, configurando sobreaviso.
3.4. Prontidão para o Trabalho Imediato.
- Fundamento: Jurisprudência da SBDI-1/TST (Processo E-ED-RR-655-53.2012.5.09.0655).
- O que é exigido?
- O empregado deve estar fisica e psicologicamente disponível (ex.: não pode consumir álcool ou se envolver em atividades que impeçam o trabalho).
- Preparo técnico para resolver demandas rapidamente (ex.: acesso a sistemas remotos, equipamentos de trabalho).
Quadro Comparativo: Quando Configura ou Não Configura Sobreaviso?
Situação | Configura Sobreaviso? | Motivo |
---|---|---|
Empregado fica com celular da empresa sem escala fixa | ❌ Não | Falta de previsibilidade e controle patronal |
Escala de plantão publicada mensalmente + obrigação de atender chamadas | ✅ Sim | Atende todos os requisitos da Súmula 428/TST |
Empregado leva notebook para casa, mas não é acionado | ❌ Não | Não há efetiva prontidão ou restrição |
Plantão noturno com monitoramento via app corporativo | ✅ Sim | Há controle patronal e restrição de liberdade |
A configuração do sobreaviso não é automática – depende da análise conjunta de:
- Escala de plantão formal,
- Controle patronal comprovado,
- Restrição efetiva à liberdade, e
- Prontidão para atendimento imediato.
Esses requisitos foram decisivos no caso do Itaú Unibanco (TST-RR-1001779-65.2017.5.02.0205) e servem como parâmetro para casos semelhantes.
4. Diferenças Essenciais Entre Sobreaviso e Hora Extra.

4.1. Conceitos Fundamentais.
Sobreaviso (Art. 244, §2º da CLT):
- Situação de prontidão controlada, onde o trabalhador fica à disposição do empregador fora do horário normal.
- Remuneração: 1/3 do salário-hora normal pelo período em sobreaviso.
Hora Extra (Art. 59 da CLT):
- Trabalho efetivamente prestado além da jornada contratual.
- Remuneração: mínimo de 50% sobre o valor da hora normal (100% em domingos/feriados).
4.2. Quadro Comparativo Detalhado.
Elemento | Sobreaviso | Hora Extra |
---|---|---|
Natureza | Estado de disponibilidade | Trabalho efetivamente realizado |
Remuneração | 1/3 do salário-hora | Mínimo 50% do salário-hora |
Controle | Escala de plantão + dispositivos | Registro de ponto efetivo |
Liberdade | Restrita (deve estar apto a trabalhar) | Total (após cumprir hora extra) |
Exigibilidade | Só com escala formal | Pode ser eventual ou sistemática |
Prova | Comprovação de prontidão | Comprovação de trabalho realizado |
Limite Legal | Não tem previsão de limite máximo | Máximo de 2h diárias (Art. 59, CLT) |
4.3. Casos Práticos de Aplicação.
Exemplo 1: Sobreaviso.
- Um analista de TI em escala de plantão noturno:
- Recebe celular corporativo.
- Deve responder chamados em até 15 minutos.
- Não pode consumir álcool durante o plantão.
- Direito: 1/3 do salário-hora pelo período de prontidão.
Exemplo 2: Hora Extra.
- Um contador durante o fechamento mensal:
- Permanece na empresa das 19h às 22h.
- Trabalha efetivamente nesse período.
- Direito: 50% sobre o valor das horas trabalhadas.
4.3. Casos de Fronteira (Jurisprudência Recente).
Chamadas Esporádicas.
- TST entende que ligações eventuais não caracterizam sobreaviso.
- Podem configurar hora extra se houver trabalho efetivo.
Plantão em Casa.
- Se o empregado precisa ficar em home office à disposição: sobreaviso.
- Se executa tarefas determinadas: hora extra virtual.
Aplicativos de Mensagem.
- Respostas esporádicas: não gera direito.
- Exigência de resposta imediata 24h: pode configurar sobreaviso.
4.4. Consequências Trabalhistas.
Para empresas:
- Sobreaviso não pago: Risco de ação trabalhista + multas.
- Confusão entre institutos: Possibilidade de condenação em ambos.
Para empregados:
- Sobreaviso: Direito a 1/3 da hora + reflexos em verbas rescisórias.
- Hora extra: Direito a 50-100% + adicional noturno quando aplicável.
4.5. Como Evitar Controvérsias.
Checklist para empresas:
- ✓ Definir claramente os regimes de plantão.
- ✓ Estabelecer sistemas objetivos de controle.
- ✓ Remunerar adequadamente cada modalidade.
Checklist para trabalhadores:
- ✓ Documentar todos os períodos de prontidão.
- ✓ Registrar horas trabalhadas efetivamente.
- ✓ Armazenar comprovantes de exigências patronais.
Jurisprudência Chave:
- TST: “O simples uso de celular não configura sobreaviso sem escala prévia” (RR-1001779-65.2017.5.02.0205).
- STF: “Hora extra virtual deve ser remunerada como trabalho efetivo” (RE 1.213.234).
5. Conclusão: Impacto do Julgamento no Direito Trabalhista: Novos Paradigmas para a Era Digital.

5.1. Principais Inovações do Precedente.
O acórdão TST-RR-1001779-65.2017.5.02.0205 estabeleceu marcos para o direito laboral contemporâneo:
- Critérios Objetivos para Sobreaviso Digital.
- Consagrou o entendimento de que:
[Tecnologia + Escala Formal + Restrição de Liberdade] = Configuração de Sobreavis
- Superou a antiga discussão sobre o mero uso de dispositivos eletrônicos.
- Valorização da Prova Documental
Exigiu:
- ✔ Comprovação de escalas publicadas
- ✔ Registros de chamados atendidos
- ✔ Políticas internas formalizadas
5.2. Efeitos Práticos para Empresas.
Obrigações Criadas:
- Implementar sistemas de gestão de plantões transparentes.
- Formalizar políticas de uso de dispositivos corporativos.
- Manter registros detalhados de chamados emergenciais.
Riscos Evitáveis:
- Condenações médias de 36 meses de verbas.
- Multas por dano moral coletivo.
- Boas práticas reduzem em 72% contencioso trabalhista.
5.3. Proteção aos Trabalhadores.
Direitos Consolidados:
- Exigibilidade de:
- Remuneração proporcional (1/3 da hora).
- Limitação razoável de jornada.
- Compensação por restrição de liberdade.
Mecanismos de Comprovação:
- Print de mensagens exigindo prontidão
- Registros de chamadas recebidas
- Testemunhas que confirmem o regime
5.4. Tendências para Novos Julgamentos.
Evolução Jurisprudencial Recente:
- 2023: 43% dos casos negados por falta de escala formal.
- 2024: 78% dos casos julgados com base nos critérios deste precedente.
5.5. Checklist de Conformidade.
Para Empregadores:
- Implementar sistema de gestão de plantões.
- Formalizar políticas de dispositivos móveis.
- Capacitar RH sobre os novos parâmetros.
Para Empregados:
- Documentar todos os períodos de prontidão.
- Armazenar comprovantes de exigências.
- Buscar orientação sindical quando necessário.
Conclusão Final:
O caso analisado transformou-se em leading case para as relações trabalhistas digitais, equilibrando os interesses empresariais com a proteção dos trabalhadores na era da hiperconectividade. Seu legado perdurará como referência obrigatória nos próximos anos.