Sumário
Toggle1. Introdução.
Em decisão unânime, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a incidência de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre a transferência de cotas de fundo de investimento a herdeiros em processo de sucessão causa mortis. O entendimento foi de que a mera transmissão das cotas, sem resgate ou alteração de valores, não caracteriza fato gerador do imposto.
O caso envolveu dois irmãos que, após a abertura do inventário do pai, solicitaram a transferência das cotas de um fundo de investimento. A solicitação foi feita com base nos valores apresentados na última declaração de Imposto de Renda do falecido.
O banco responsável pela administração do fundo, no entanto, informou que a transferência implicaria a cobrança do IRRF, o que motivou os herdeiros a ingressarem com um mandado de segurança preventivo para impedir a tributação.
2. Decisões anteriores e argumentos do TRF3.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) havia considerado legítima a incidência do imposto, argumentando que, embora a sucessão causa mortis não implique resgate das cotas, a transferência de titularidade para os herdeiros seria equivalente a uma alienação escritural, o que autorizaria a tributação na fonte.
3. Entendimento do STJ.
O relator do recurso no STJ, ministro Gurgel de Faria, divergiu da interpretação do TRF3. Ele baseou sua decisão no artigo 23 da Lei 9.532/1997, que oferece duas opções para avaliar bens transferidos em herança: pelo valor de mercado ou pelo valor constante na última declaração de IR do falecido.
Segundo o ministro, a escolha dos herdeiros de manter os valores declarados pelo titular falecido descaracteriza a existência de ganho de capital ou qualquer fato gerador para o IRRF.
Ademais, o ministro destacou que o artigo 65 da Lei 8.981/1995, que regula a tributação de rendimentos de aplicações financeiras de renda fixa, não se aplica a fundos de investimento. Ele reforçou que a norma legal define alienação como ato de vontade, o que não abrange a transferência causa mortis, uma vez que essa ocorre de forma automática, em decorrência da sucessão.
4. Princípio da legalidade tributária.
Outro ponto central da decisão foi o princípio da legalidade tributária, previsto no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal. Gurgel de Faria enfatizou que a Receita Federal não pode exigir tributos em situações não previstas em lei. Ele rejeitou a tese de que a transferência de cotas, por si só, equivaleria a uma antecipação de liquidação ou resgate, uma vez que, no caso, não houve qualquer movimentação financeira que resultasse em aumento de patrimônio.
Nas palavras do relator, “a mera transferência de cotas de fundos de investimento decorrente de sucessão causa mortis, quando os herdeiros optam pela observância do valor constante na última declaração de bens do de cujus, não constitui fato gerador do IRRF. Apenas seria devida a tributação se a transferência fosse realizada pelo valor de mercado e houvesse diferença positiva em relação ao valor de aquisição”.
5. Precedente relevante para herdeiros e administradoras.
A decisão da Primeira Turma do STJ consolida um entendimento importante sobre a transmissão de cotas de fundos de investimento em processos sucessórios. Além de garantir maior segurança jurídica para herdeiros, o posicionamento afasta interpretações administrativas que poderiam onerar desnecessariamente o processo de inventário e a sucessão de bens.
Ao reconhecer que a mera atualização cadastral junto à administradora do fundo não configura alienação, o tribunal reforça o papel da legalidade na aplicação das normas tributárias, evitando cobranças indevidas que poderiam penalizar contribuintes em situações de sucessão.
Essa decisão poderá servir como importante precedente em casos similares, fortalecendo a defesa de herdeiros contra exigências de tributos que extrapolem o previsto em lei.
Link do processamento do recurso abaixo: