Sumário
Toggle1. Decisão da Terceira Turma destaca a diferença entre adoção e filiação socioafetiva e reafirma a validade da multiparentalidade.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em julgamento recente, que é juridicamente possível reconhecer a filiação socioafetiva entre avós e netos maiores de idade.
A decisão estabelece que essa possibilidade se aplica quando o vínculo entre as partes transcende a mera relação de afeto comum aos laços avoengos. O entendimento, que tem impactos diretos nos registros civis, foi proferido no âmbito de uma ação movida por um neto em busca do reconhecimento formal como filho socioafetivo de suas avós maternas, sem prejuízo do nome da mãe biológica no registro.
2. Contexto do Caso e Fundamentação da Decisão
O caso teve origem em uma ação proposta por um neto que convivia com suas avós maternas em uma relação descrita como profunda e consolidada, característica de um vínculo parental.
Apesar disso, o processo foi extinto em primeira instância, com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) mantendo a decisão. A justificativa foi a aplicação do artigo 42, parágrafo 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que proíbe a adoção de netos pelos avós.
No entanto, ao recorrer ao STJ, a defesa sustentou que o pedido não se tratava de adoção, mas de reconhecimento de filiação socioafetiva, uma modalidade jurídica distinta que não implica a destituição do poder familiar ou exclusão do vínculo biológico existente.
3. Diferença Entre Adoção e Filiação Socioafetiva.
A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, foi categórica ao esclarecer a distinção entre adoção e filiação socioafetiva. Segundo a ministra, o artigo 42 do ECA é aplicável exclusivamente à adoção, que implica na substituição total do vínculo biológico pelo vínculo jurídico. Por outro lado, a filiação socioafetiva reconhece uma relação parental de fato, já consolidada na convivência, sem prejudicar a relação biológica registrada.
“A socioafetividade não pode ser confundida com a adoção, pois nela não há a destituição do poder familiar ou de vínculos biológicos anteriores”, explicou a relatora. Andrighi ainda destacou que esse tipo de reconhecimento busca formalizar uma realidade fática, validando legalmente laços já existentes.
4. Multiparentalidade e Reconhecimento de Novos Parentescos.
A decisão reforçou o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a multiparentalidade, que permite a coexistência de vínculos parentais biológicos e socioafetivos no registro civil. Esse entendimento foi fixado no Tema 622 de repercussão geral.
A ministra também citou o Provimento 149/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que prevê a possibilidade de reconhecimento voluntário da filiação socioafetiva diretamente nos cartórios de registro civil, ainda que a pessoa já possua registros de paternidade ou maternidade.
Nesse caso, a ação judicial foi necessária devido à resistência inicial do sistema jurídico em reconhecer a filiação avoenga. Contudo, o STJ determinou o retorno do processo à primeira instância para que seja feita a devida instrução probatória, incluindo a citação da mãe biológica e a análise da convivência entre as partes envolvidas.
5. Filiação Socioafetiva e Cultura Jurídica Brasileira
A decisão da Terceira Turma também dialoga com o artigo 227, parágrafo 6º, da Constituição Federal, e o artigo 1.593 do Código Civil de 2002, que ampliam os conceitos de parentesco para abarcar não apenas laços consanguíneos, mas também os de ordem cultural e afetiva.
“A filiação socioafetiva não é limitada pela consanguinidade ou pela adoção; ela inclui relações que se formam pelo afeto consolidado no cotidiano, refletindo uma evolução no conceito de família e no reconhecimento de seus diversos formatos”, afirmou Andrighi.
6. Impactos da Decisão.
A decisão do STJ abre um precedente relevante para casos semelhantes, demonstrando maior flexibilidade na interpretação do direito de família. O reconhecimento de filiação socioafetiva entre avós e netos maiores de idade é um passo à frente na adequação das leis à realidade social contemporânea, onde os vínculos familiares assumem diversas formas.
Embora o processo siga em segredo de justiça, o impacto dessa decisão transcende o caso específico, reafirmando a importância do afeto como fundamento para a constituição da família e a adaptação das normas jurídicas às transformações sociais.
Ao devolver o caso à origem, o STJ garantiu que as particularidades dessa relação serão devidamente analisadas, possibilitando um julgamento justo e alinhado aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proteção integral às relações familiares.