Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Superendividamento e o Dever de Comparecimento à Audiência de Conciliação.

Entenda as sanções previstas no art. 104-A, § 2°, do CDC e sua aplicação na fase pré-processual de repactuação de dívidas.


1. Introdução.

O superendividamento é um fenômeno que afeta milhares de consumidores no Brasil, especialmente em um contexto de crise econômica e aumento do custo de vida.

Diante desse cenário, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi atualizado pela Lei nº 14.181/2021, que introduziu mecanismos para proteger o consumidor superendividado, incluindo o processo de repactuação de dívidas.

Um dos pontos centrais dessa legislação é a obrigatoriedade de comparecimento à audiência de conciliação, sob pena de sanções ao credor que não justificar sua ausência.

Esse tema foi recentemente debatido no Recurso Especial nº 2168199 – RS (2024/0333035-1), julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob a relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Neste artigo, analisaremos os aspectos jurídicos do caso, com foco nas sanções previstas no art. 104-A, § 2°, do CDC, e sua aplicação na fase pré-processual de repactuação de dívidas. Além disso, esclareceremos os termos jurídicos para que todos possam compreender a importância desse julgamento para o direito do consumidor.


2. O que é o Superendividamento e Como Funciona o Processo de Repactuação de Dívidas?

O superendividamento ocorre quando o consumidor, pessoa física, se encontra em uma situação de endividamento crônico, sem condições de honrar suas obrigações financeiras sem comprometer seu mínimo existencial.

Para enfrentar esse problema, o CDC estabeleceu um procedimento especial, dividido em duas fases:

  1. Fase Consensual (Pré-Processual): Nessa fase, o consumidor pode solicitar ao juiz a instauração de um processo de repactuação de dívidas. O objetivo é realizar uma audiência de conciliação com todos os credores, na qual o consumidor apresenta uma proposta de plano de pagamento com prazo máximo de cinco anos. Essa fase é regulamentada pelo art. 104-A do CDC.
  2. Fase Contenciosa (Processual): Caso não haja acordo na fase consensual, o juiz pode instaurar um processo judicial para revisão e integração dos contratos, com a imposição de um plano de pagamento compulsório. Essa fase é disciplinada pelo art. 104-B do CDC.


3. O Dever de Comparecimento à Audiência de Conciliação.

Um dos pontos mais importantes da fase consensual é o comparecimento dos credores à audiência de conciliação.

O art. 104-A, § 2°, do CDC, estabelece que a ausência injustificada do credor acarreta sanções, como:

  • Suspensão da exigibilidade do débito: O credor não pode cobrar a dívida enquanto estiverem pendentes as tratativas de repactuação.
  • Interrupção dos encargos da mora: Juros e multas deixam de ser cobrados durante o período de suspensão.
  • Sujeição compulsória ao plano de pagamento: Se o valor devido for certo e conhecido, o credor ausente será incluído no plano de pagamento proposto pelo consumidor.
  • Pagamento posterior aos credores presentes: O credor ausente só receberá seu crédito após o pagamento integral das dívidas dos credores que compareceram à audiência.

No caso em análise, o Banco do Brasil S/A não compareceu à audiência de conciliação e foi penalizado com essas sanções.

O banco recorreu ao STJ, argumentando que as sanções só poderiam ser aplicadas na fase processual, e não na fase pré-processual. No entanto, o STJ rejeitou esse argumento, entendendo que as sanções são aplicáveis desde a fase consensual.


4. Fundamentação Jurídica do STJ.

O STJ destacou que o comparecimento à audiência de conciliação é um dever anexo do contrato celebrado entre o consumidor e a instituição financeira.

Esse dever decorre do princípio da boa-fé objetiva, que impõe às partes a obrigação de agir com lealdade e cooperação. A ausência injustificada do credor viola esse princípio e prejudica a finalidade do processo de repactuação, que é evitar a ruína do consumidor.

Além disso, o STJ ressaltou que as sanções previstas no art. 104-A, § 2°, do CDC, são essenciais para garantir a efetividade da fase consensual.

Sem essas sanções, os credores poderiam se recusar a participar das negociações, inviabilizando a solução consensual do conflito.


5. A Importância da Decisão para o Direito do Consumidor.

O julgamento do STJ reforça a proteção ao consumidor superendividado e estabelece um importante precedente para casos semelhantes.

Ao confirmar a aplicação das sanções na fase pré-processual, o tribunal garantiu que os credores não poderão se esquivar de suas responsabilidades, mesmo antes da instauração de um processo judicial.

Essa decisão também ressalta a importância da conciliação como instrumento de solução de conflitos.

Ao incentivar a participação dos credores nas audiências de conciliação, o STJ contribui para a redução da judicialização de conflitos e para a promoção de acordos mais justos e equilibrados.


6. Conclusão.

black payment terminal
Photo by energepic.com on Pexels.com

O Recurso Especial nº 2168199 – RS (2024/0333035-1), é um marco no tratamento do superendividamento no Brasil.

Ao confirmar a aplicação das sanções previstas no art. 104-A, § 2°, do CDC na fase pré-processual, o STJ reforçou a proteção ao consumidor e garantiu a efetividade do processo de repactuação de dívidas.

Para os consumidores, essa decisão representa uma importante vitória, pois garante que os credores não poderão se recusar a participar das negociações sem sofrer as consequências previstas em lei.

Para os credores, a mensagem é clara: o comparecimento à audiência de conciliação não é apenas uma opção, mas um dever jurídico que deve ser cumprido com responsabilidade e boa-fé.

Em um país onde o superendividamento é uma realidade para milhões de pessoas, decisões como essa são fundamentais para garantir o equilíbrio nas relações de consumo e a dignidade daqueles que buscam uma segunda chance.

FONTE STJ:

RECURSO ESPECIAL Nº 2168199 – RS (2024/0333035-1).

Comente o que achou. Deixe a sua crítica, elógio, sugestão, pois sua participação é muiro importante.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Veja Mais

Artigos Relacionados:

Horas de Sobreaviso e o Uso de Celular Corporativo.

Horas de Sobreaviso e o Uso de Celular Corporativo.

Como o Uso de Celular em Plantão Configura Horas de Sobreaviso? Introdução. O regime de horas de sobreaviso tem sido alvo de intensos debates no Direito do Trabalho brasileiro, especialmente

Herdeiro que Paga Aluguel pelo Uso Exclusivo do Imóvel Não Deve Arcar Sozinho com o IPTU.

Herdeiro que Paga Aluguel pelo Uso Exclusivo do Imóvel Não Deve Arcar Sozinho com o IPTU.

Entendimento do STJ sobre a Repartição do IPTU entre Herdeiros e a Vedação à Dupla Compensação. Introdução. Photo by Ron Lach on Pexels.com O Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou

Beneficiário de Seguro que Matou a Mãe Durante Surto Pode Receber Indenização? Entenda o Caso e a Decisão do STJ.

Beneficiário de Seguro que Matou a Mãe Durante Surto Pode Receber Indenização? Entenda o Caso e a Decisão do STJ.

Inimputabilidade e Direito à Indenização: Análise do Caso do Seguro de Vida. Introdução. Em recente julgamento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu um caso polêmico envolvendo

Responsabilidade Civil em Jogos Eletrônicos.

Responsabilidade Civil em Jogos Eletrônicos.

"STJ Decide sobre Suspensão de Contas em Jogos Online e Garante Segurança Jurídica às Plataformas" Introdução. O Recurso Especial nº 2123587/SC (2024/0043134-8), julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), trouxe à

Recuso Ordinário em Ação Rescisória – A Falsidade Ideológica das Notas Fiscais e o Reconhecimento de Prova Falsa em processo trabalhista transitado em julgado.

Recuso Ordinário em Ação Rescisória – A Falsidade Ideológica das Notas Fiscais e o Reconhecimento de Prova Falsa em processo trabalhista transitado em julgado.

Periculosidade do uso de documentos falsificados para comprovação de direito trabalhista inexistente. Introdução. O caso em análise envolve uma ação rescisória fundamentada no art. 966, VI, do CPC, que trata

Impedimento do Juiz e a Nulidade Processual.

Impedimento do Juiz e a Nulidade Processual.

"Como a violação ao Art. 144, II, do CPC, pode anular decisões judiciais no âmbito trabalhista" Introdução. O caso TST-RRAg - 11368-06.2021.5.15.0041, julgado pela 1ª Turma do Tribunal Superior do

Habilitação de Crédito em Inventário: A Necessidade de Concordância Expressa dos Herdeiros.

Habilitação de Crédito em Inventário: A Necessidade de Concordância Expressa dos Herdeiros.

"STJ define que silêncio dos herdeiros não equivale a concordância em processos de inventário" Introdução. O processo de inventário é um procedimento judicial essencial para a partilha de bens e

Comparecimento Espontâneo no CPC: Quando o Prazo para Contestação Começa a Correr?

Comparecimento Espontâneo no CPC: Quando o Prazo para Contestação Começa a Correr?

Análise do Recurso Especial nº 1909271/PR e Seus Impactos no Direito Comparecimento Espontâneo no CPC: Quando o Prazo para Contestação Começa a Correr? 1. Introdução. O Direito Processual Civil brasileiro

Taxa de Manutenção em Loteamentos: Validade da Cobrança por Administradora com Base em Contrato-Padrão Registrado.

Taxa de Manutenção em Loteamentos: Validade da Cobrança por Administradora com Base em Contrato-Padrão Registrado.

"Cobrança de taxa em loteamento é legal? STJ decide com base em contrato registrado e distinção do Tema 492/STF". 1. Introdução. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo

Pais que não vacinarem filhos contra a Covid-19 podem ser multados: Entenda a decisão da Terceira Turma do STJ.

Pais que não vacinarem filhos contra a Covid-19 podem ser multados: Entenda a decisão da Terceira Turma do STJ.

STJ confirma multa para pais que se recusam a vacinar crianças contra Covid-19 com base no ECA e no princípio do melhor interesse da infância. 1. Introdução. A Terceira Turma

plugins premium WordPress