Sumário
Toggle1. Entenda como as mudanças na Lei de Improbidade impactam a judicialização de atos ilícitos já objeto de acordos de colaboração premiada.

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou um entendimento crucial no direito brasileiro: não é cabível ajuizar ação de improbidade administrativa contra colaborador premiado para buscar o reconhecimento judicial de ato ilícito já objeto de acordo de colaboração premiada.
Esse posicionamento, reforçado pelas alterações trazidas pela Lei nº 14.230/2021, destaca a importância da segurança jurídica e da eficiência processual, evitando a duplicidade de punições e a judicialização desnecessária.
Neste artigo, exploraremos os fundamentos jurídicos desse entendimento, analisando os impactos das mudanças na Lei de Improbidade e como elas se relacionam com os acordos de colaboração premiada. Além disso, discutiremos por que a decisão do STJ representa um avanço para o sistema de justiça brasileiro.
2. O que é Improbidade Administrativa e Colaboração Premiada?

A improbidade administrativa está prevista na Lei nº 8.429/1992, que define os atos de improbidade como aqueles que violam os princípios da administração pública, causando dano ao erário ou enriquecimento ilícito.
A ação de improbidade busca responsabilizar agentes públicos ou particulares que tenham praticado atos lesivos à administração, aplicando sanções como multa, perda de bens e suspensão de direitos políticos.
No entanto, a Lei nº 14.230/2021 trouxe mudanças significativas ao regime da improbidade, alinhando-o aos parâmetros estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da ADI 5.668, que declarou a constitucionalidade da Lei de Improbidade, mas com interpretação conforme a Constituição para evitar sanções desproporcionais.
Já a colaboração premiada, regulamentada pela Lei nº 12.850/2013, é um instrumento jurídico que permite ao colaborador de crimes organizados obter benefícios, como redução de pena ou perdão judicial, em troca de informações que auxiliem nas investigações. Esse mecanismo é essencial para desvendar esquemas criminosos complexos, como os de corrupção e lavagem de dinheiro.
A questão central do caso julgado pelo STJ foi a possibilidade de se ajuizar ação de improbidade contra um colaborador premiado, mesmo que o objetivo fosse apenas declarar a prática do ato ilícito, sem impor novas sanções.
Esse debate ganha novos elementos com as alterações da Lei nº 14.230/2021, que redefine o alcance e as sanções da improbidade administrativa.
3. O Entendimento do STJ: Segurança Jurídica e Economia Processual.

O relator do recurso, ministro Gurgel de Faria, destacou que a homologação judicial do acordo de colaboração premiada confere a ele eficácia vinculante, ou seja, as partes estão obrigadas a respeitar os termos pactuados.
No caso em análise, o colaborador já havia confessado os atos ilícitos e cumprido as sanções previstas no acordo, como pena privativa de liberdade, multa civil e perdimento de bens.
O ministro ressaltou que permitir a judicialização de questões já resolvidas no acordo acarretaria movimentação desnecessária da máquina judiciária, com custos elevados e afronta ao princípio da economia processual, aplicado na lei processula Civil (CPC).
Esse princípio visa a evitar a duplicidade de processos e a garantir a celeridade e eficiência da justiça.
Além disso, Gurgel de Faria argumentou que a ação de improbidade poderia enfraquecer o instituto da colaboração premiada, criando incertezas sobre a extensão dos efeitos do acordo.
A essência desse mecanismo está na segurança e previsibilidade que oferece tanto ao colaborador quanto ao Estado. Admitir a revisão judicial de questões já pactuadas poderia desincentivar a adesão a acordos de colaboração, comprometendo sua eficácia no combate ao crime organizado.
4. As Alterações da Lei nº 14.230/2021 e Seus Impactos.

A Lei nº 14.230/2021 trouxe mudanças significativas ao regime da improbidade administrativa, especialmente no que diz respeito às sanções aplicáveis e aos critérios para caracterização dos atos de improbidade.
A nova lei estabelece que as sanções devem ser proporcionais e individualizadas, considerando a gravidade do ato, o dano causado e a conduta do agente.
Além disso, a lei reforça a necessidade de comprovação de dolo ou culpa grave para a configuração da improbidade, afastando a possibilidade de responsabilização objetiva.
No caso dos acordos de colaboração premiada, as alterações da Lei nº 14.230/2021 reforçam a importância da segurança jurídica e da vinculação das partes ao acordo homologado. Como o colaborador já foi responsabilizado pelas infrações cometidas, nos termos do acordo, não há justificativa para ajuizar nova ação de improbidade, especialmente considerando o princípio da proporcionalidade e a vedação ao bis in idem (dupla punição pelo mesmo fato).
5. Fundamentação Legal e Jurisprudencial.

O STJ baseou sua decisão em dispositivos legais e princípios constitucionais.
O artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, estabelece que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
No caso do colaborador premiado, o acordo homologado judicialmente já constitui um ato jurídico perfeito, cujos efeitos não podem ser questionados posteriormente.
Além disso, o artigo 17 da Lei nº 12.850/2013 prevê que o acordo de colaboração premiada deve ser homologado pelo juízo competente, conferindo-lhe eficácia vinculante.
Isso significa que as partes estão obrigadas a cumprir os termos do acordo, sem possibilidade de revisão, exceto em casos de vício de consentimento ou ilegalidade manifesta.
A jurisprudência do STJ também tem reforçado a importância da segurança jurídica e da boa-fé objetiva nos acordos de colaboração.
Em precedentes semelhantes, o Tribunal tem entendido que a revisão de questões já pactuadas viola esses princípios, gerando insegurança e desconfiança no sistema.
6. Impactos Práticos da Decisão.

A decisão do STJ tem importantes reflexos práticos para o sistema de justiça.
Em primeiro lugar, ela fortalece o instituto da colaboração premiada, garantindo que os colaboradores tenham segurança jurídica para aderir a acordos sem o risco de futuras ações judiciais. Isso é fundamental para incentivar a delação de crimes complexos, como os de corrupção e lavagem de dinheiro.
Em segundo lugar, a decisão contribui para a eficiência da justiça, evitando a judicialização desnecessária de questões já resolvidas.
Ao negar provimento ao recurso do MPRJ, o STJ reforçou o princípio da economia processual, garantindo que a máquina judiciária seja utilizada de forma racional e eficiente.
Por fim, a decisão reforça a vinculação das partes ao acordo homologado, assegurando que os termos pactuados sejam respeitados. Isso é essencial para a credibilidade do sistema de justiça e para a efetividade das investigações criminais.
7. Conclusão.

O entendimento firmado pela Primeira Turma do STJ no caso em análise representa um avanço significativo para o direito brasileiro, ao garantir a segurança jurídica e a eficiência processual nos acordos de colaboração premiada.
Ao negar a possibilidade de ação de improbidade contra colaboradores que já cumpriram os termos do acordo, o Tribunal reforça a importância desse mecanismo no combate ao crime organizado e na preservação da integridade da administração pública.
As alterações trazidas pela Lei nº 14.230/2021 reforçam esse entendimento, ao estabelecer critérios mais claros e proporcionais para a responsabilização por atos de improbidade.
A decisão também serve como um alerta para os operadores do direito, que devem respeitar os limites e os efeitos dos acordos homologados, evitando a judicialização desnecessária de questões já resolvidas. Em um sistema jurídico cada vez mais complexo, a economia processual e a segurança jurídica são valores essenciais para a efetividade da justiça.
Este artigo foi elaborado com base na legislação brasileira e no entendimento jurisprudencial do STJ, visando a fornecer uma análise clara e fundamentada sobre o tema, considerando as alterações introduzidas pela Lei nº 14.230/2021.
FONTES:
LEI Nº 12.850, DE 2 DE AGOSTO DE 2013 – DEFINE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA.
LEI Nº 14.230, DE 25 DE OUTUBRO DE 2021 – DEFINE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.