Sumário
Toggle1. Introdução.
A aplicação da lei penal no tempo e no espaço é tema complexo e de extrema importância no campo do direito penal e processo penal.
A forma como a legislação penal é aplicada em diferentes contextos espaciais, incluindo questões de territorialidade, extraterritorialidade e imunidades diplomáticas e parlamentares, requer uma análise cuidadosa e uma compreensão sólida dos princípios legais aplicados.
Neste artigo, exploraremos em detalhes esses tópicos, com ênfase aos princípios fundamentais e as variantes específicas associadas à aplicação da lei penal no tempo e espaço.
2. Da Aplicação da lei penal no tempo.
O artigo 4º do Código Penal brasileiro (CP), trata da aplicação da lei penal no tempo, estabelecendo as diretrizes para determinar em que momento é praticado determinado fato criminoso.
Esclarece o referido artigo, que considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.
Esse princípio é fundamental para garantir a segurança jurídica e a previsibilidade no sistema penal, pois determina quando se considera praticado o crime, assegurando que os agentes sejam julgados de acordo com a legislação vigente da época da prática do crime.
Abaixo vamos explorar os princípios do artigo 4º do CP, e sua importância na aplicação da lei penal no tempo:
- Teoria da Atividade:
A teoria da atividade, também conhecida como teoria da conduta, estabelece que a responsabilidade penal está vinculada à conduta ou ação praticada pelo agente, independentemente do resultado produzido.
De acordo com essa teoria, o elemento fundamental para a configuração do crime é a conduta voluntária do agente que viola a norma penal, sendo irrelevante em que momento o resultado previsto no tipo penal efetivamente ocorreu.
A teoria da atividade determina que o tempo do crime se dá no momento da conduta praticada pelo agente, independentemente da concretização do resultado.
- Teoria do Resultado:
Por outro lado, a teoria do resultado estabelece que a responsabilidade penal está vinculada à produção do resultado previsto no tipo penal, ou seja, à ocorrência do resultado decorre da conduta do agente.
De acordo com essa teoria, o crime só estará configurado se o resultado previsto no tipo penal efetivamente se concretizar em decorrência da conduta do agente.
Assim, a ação criminosa somente seria punida com a ocorrência ou não do resultado, independentemente da conduta, o que impactaria certamente na responsabilidade penal do agente.
- Teoria Mista ou da ubiquidade:
A teoria mista, por sua vez, busca conciliar os elementos da teoria da atividade e da teoria do resultado, considerando tanto a conduta praticada pelo agente, quanto o resultado produzido, como elementos relevantes para a configuração do crime.
De acordo com essa teoria, o crime se caracteriza tanto pela conduta do agente quanto pelo resultado produzido, dependendo das circunstâncias e da legislação aplicável.
A teoria mista não é considerada na interpretação da legislação penal no tempo, pois leva em conta tanto a conduta quanto o resultado produzido.
Em conclusão, após análise dessas teorias, temos que o artigo 4º do Código Penal brasileiro adotou o princípio da atividade, considerando o momento do crime a ação ou omissão do agente, independentemente da confirmação do resultado na época da ação ou omissão.
Necessário se faz esse estudo para o reconhecimento da imputabilidade penal, que nada mais é do que a capacidade do agentes entender o caráter ilícito de sua conduta, além da lei que é mais benéfica para o agente.
3. Da Aplicação da Lei Penal no Espaço e seus Princípios Fundamentais.
No contexto da aplicação da lei penal no espaço, diversos princípios orientam a jurisdição dos Estados e delineiam os limites da sua competência legal, sendo relevante para resolução de conflitos de soberania entre países.
Com base neste tema, poderemos identificar a lei penal aplicada em conduta criminosa iniciada no território nacional e consumada em outro país, ou do modo inverso, quando a execução se iniciar em outro país e o resultado se consumar no Brasil.
Abaixo, exploraremos cinco princípios cruciais a aplicação penal no espaço: nacionalidade, territorialidade, defesa, justiça universal e representação.
- Princípio da Nacionalidade:
O princípio da nacionalidade, também conhecido como princípio da personalidade ativa, estabelece que um Estado tem jurisdição para julgar seus próprios nacionais por crimes cometidos tanto dentro quanto fora do seu território.
Esse princípio reflete a ideia de que o Estado tem o dever de proteger seus cidadãos e de exercer jurisdição sobre eles, independentemente do local onde o crime foi cometido.
No entanto, a aplicação desse princípio pode ser modificada por acordos internacionais ou princípios de justiça internacional, que podem limitar a extraterritorialidade da legislação nacional.
- Princípio da Territorialidade:
O princípio da territorialidade estabelece que a lei penal de um Estado se aplica dentro do seu território, abrangendo todas as pessoas presentes dentro das fronteiras, independentemente da nacionalidade.
Esse princípio reflete a soberania estatal e o direito de um Estado de exercer jurisdição sobre as condutas criminosas que ocorrem dentro do seu território.
No entanto, a territorialidade pode ser temperada por exceções, como a extraterritorialidade para crimes com outro Estado.
- Princípio da Defesa:
O princípio da defesa, também conhecido como princípio da proteção, estabelece que um Estado pode exercer jurisdição penal sobre crimes que afetem seus interesses ou a segurança de seus cidadãos, independentemente da nacionalidade do agente ou do local da infração.
Esse princípio reflete a preocupação dos Estados em proteger seus interesses legítimos e garantir a segurança de seus cidadãos em contextos transnacionais.
- Princípio da Justiça Universal:
O princípio da justiça universal determina que o agente seja punido pela justiça do local onde se encontre detido, independentemente da sua nacionalidade ou interesse do bem jurídico lesado.
Esse princípio reflete o consenso da possibilidade do agente ser punido pela lei do local independente de sua origem ou interesse do bem jurídico atingido.
- Princípio da Representação.
O princípio da representação, também conhecido como princípio da bandeira ou do pavilhão, estabelece que um Estado pode exercer jurisdição sobre crimes cometidos a bordo de embarcações ou aeronaves registradas sob sua bandeira, mesmo que ocorram fora do seu território ou em águas internacionais, desde que o fato não tenha sito punido no país em que foi praticada a infração.
Esse princípio reflete o conceito de que um Estado tem responsabilidade pela conduta ocorrida em embarcações e aeronaves registradas sob sua jurisdição, tendo o direito de exercer jurisdição penal sobre crimes cometidos a bordo dessas embarcações ou aeronaves, independentemente do local onde ocorram, desde que os agentes não sejam responsabilizados em outro país.
Os princípios da nacionalidade, territorialidade, defesa, justiça universal e representação são fundamentais para a aplicação da lei penal no espaço, fornecendo diretrizes e limites para a jurisdição dos Estados.
O Brasil em sua legislação adotou o princípio da territorialidade, ao determinar que “aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional”.
No entanto, nosso ordenamento jurídico aplica os outros princípios para o reconhecimento de determinadas condutas típicas. Adiante no estudo da extraterritorialidade, serão demonstradas as condutas relacionadas com os respectivos princípios.
4. Territorialidade Temperada e o Artigo 5º do Código Penal.
O princípio da territorialidade, como discutido anteriormente, estabelece que a lei penal de um Estado se aplica dentro do seu território. No entanto, o princípio da territorialidade pode ser temperado por certas exceções, especialmente quando se trata da aplicação da lei penal brasileira.
O artigo 5º, do Código Penal Brasileiro, estabelece que aplica-se a lei penal brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.
Isso significa que a legislação penal brasileira tem jurisdição para julgar e punir crimes cometidos dentro do território brasileiro, seguindo o princípio clássico da territorialidade.
Antes de adentrarmos nas exceções do princípio da territorialidade, cumpre esclarecer que o Território nacional nada mais é do que toda a extensão terrestre até as fronteiras territoriais, incluindo-se o subsolo e o solo.
Espaço aéreo por definição, considera-se a atmósfera acima do espaço terrestre do país, sendo que o espaço fluvial, é o conjunto de rios pertencentes ao país.
É importante ressaltar que as águas territoriais brasileiras, que se estendem até 12 milhas náuticas a partir da linha de base, bem como o espaço aéreo sobrejacente a essas águas territoriais, são considerados parte integrante do território nacional para fins de aplicação da lei penal brasileira.
Essa definição de território nacional inclui não apenas o solo brasileiro, mas também as águas territoriais, o espaço aéreo e o subsolo. Ou seja, qualquer conduta criminosa que ocorra dentro desses limites geográficos, é passível de ser julgado e punido de acordo com a legislação penal brasileira.
Ocorre, entretanto, o parágrafo 1º, do mesmo artigo, inicia as exceções. Isto porque, estabelece que considera-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.
Esse é um exemplo de territorialidade temperada, onde a legislação brasileira se estende para além das fronteiras territoriais em circunstâncias específicas, ou seja, quando os crimes são cometidos a bordo de aeronaves ou embarcações publicas privadas ou a serviço do Brasil.
O parágrafo 2º, do artigo 5º, do CP, por sua vez, estabelece que a lei brasileira também se aplica aos crimes cometidos a bordo de aeronaves ou embarcações extrangeiras que se encontrem no território nacional.
Isso significa que o conceito de território, no contexto da aplicação da lei penal brasileira, se estende às aeronaves e embarcações privadas estrangeiras, desde que se encontrarem em território nacional.
Portanto, com base no artigo 5º do Código Penal brasileiro, o conceito de território engloba não apenas o solo nacional, mas também as águas territoriais, o espaço aéreo a suas águas, as aeronaves e embarcações privadas registradas no Brasil em alto mar, e as aeronaves e embarcações estrangeiras que estiverem no Brasil, demonstrando uma abordagem abrangente e ampla da jurisdição penal brasileira em relação ao seu espaço geográfico.
5. Do local do crime:
O artigo 6º, do Código Penal brasileiro (CP), estabelece as diretrizes para determinar o local do crime. Este artigo é essencial para a aplicação da lei penal, uma vez que define o território no qual a legislação brasileira é aplicável, bem como o país que terá jurisdição para julgar os crimes.
- Determinação do Local do Crime:
O artigo 6º do CP estabelece que considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.
Essa definição é fundamental para determinar o local onde um crime foi cometido e, consequentemente, qual legislação penal terá jurisdição para julgar o caso.
- Critério Material e Espacial:
O critério estabelecido pelo artigo 6º do CP é duplo, contemplando tanto o aspecto material (onde ocorreu a ação ou omissão) quanto o aspecto espacial (onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado).
Isso significa que o lugar do crime pode ser determinado com base onde ocorreu a conduta criminosa, ou onde se consumou o resultado previsto no tipo penal.
Se o crime se iniciar no território nacional e se consumar em território estrangeiro, ou ao contrário ocorrer, teremos a aplicabilidade da teoria mista, segundo a qual considera-se o local do crime tanto o da ação ou omissão, quanto aquele em que ocorreu o resultado.
O artigo 6º, do CP, somente se aplica neste tipo de situação reconhecida como sendo crime a distância. Desta forma, lei brasileira pode ser aplicada em qualquer das linhas de tempo citadas.
No sentido do reconhecimento da aplicação da lei brasileira em casos que o atos executórios iniciaram-se no Brasil, temos interessante aresto do Superior Tribunal de Justiça, que demonstra aplicabilidade do princípio da territorialidade e extraterritorialidade, ao crime de redução à condição análoga de escravo e tortura, cujo o atos executórios iniciaram-se no Brasil:
“PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES DE TORTURA, REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO E FRUSTRAÇÃO DE DIREITO ASSEGURADO NA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA BRASILEIRA. PRINCÍPIOS DA TERRITORIALIDADE E EXTRATERRITORIALIDADE INCONDICIONADA. CONEXÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRISÃO CAUTELAR. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. INTERESSE EXTRADICIONAL. ORDEM DENEGADA. 1. Iniciada a execução dos crimes de redução à condição análoga à de escravo (artigo 149 do CP) e de frustração de direito assegurado na legislação trabalhista (artigo 203 do CP) dentro do território nacional, compete à Justiça brasileira processar e julgar os fatos, independentemente de condicionantes extraterritoriais. Inteligência dos artigos 5º e 6º do Código Penal, representativos do princípio da territorialidade e da teoria da ubiquidade, adotadas pelo ordenamento jurídico brasileiro para a definição do local do crime. 2. Competência da Justiça brasileira para julgar o crime de tortura cometido contra nacional no exterior como expressão do princípio da extraterritorialidade incondicionada (art. 2º da Lei nº 9.455/1997). Conexão fática e probatórias com os demais delitos. Matéria estabilizada na Corte Regional. 3. Delito do artigo 203 do CP e norma penal em branco: supressão de instância, na medida em que a Corte Regional não tratou sobre a temática. 4. Prisão preventiva devidamente justificada sob os pressupostos do artigo 312 do CPP, além de instrumental, no caso, à extradição ativa solicitada à República Italiana. 4.1. Não é ilegal a prisão preventiva decretada em contexto no qual a vítima foi contratada ardilosamente, no Brasil, para prestar serviços de empregada doméstica na residência do casal de pacientes, na Itália, sendo avisada, já no exterior, que não receberia remuneração pelos serviços e que teria restrição de liberdade na casa dos denunciados. Indícios de coisificação da vítima, corroborados provisoriamente por laudos periciais e testemunhas no sentido de que ela foi agredida, física e psicologicamente, por cerca de 8 meses, com surras de cinto, socos, imposição de garfo quente nos seus órgãos genitais, introdução de cabo de vassoura em seu ânus, aperto do seu clitóris com tesoura, golpes nas costas, braços e mamas por meio do fio de carregador de máquina de cortar cabelos, e de que, após cada ato violento, os pacientes exigiam que a vítima ingressasse em banheira com água gelada (por volta de 4º C), sal grosso e vinagre, a fim de encobrir as sevícias. Retorno ao Brasil viabilizado após desgastante desfecho, com o custeio da passagem aérea pela genitora da vítima. 4.2. Decreto prisional a apontar que “os acusados teriam agido com frieza e crueldade excedentes ao próprio tipo, contidos na violência física e psicológica praticadas contra a vítima, expondo tal situação, inclusive, a familiares e amigos, sem qualquer pudor”, em ordem a explicitar a gravidade concreta das condutas e a periculosidade realizada dos pacientes. 4.3. Fundamentação, no decreto prisional, de ameaças realizadas pela acusada a uma das testemunhas, visando a evitar depoimento em favor da vítima, e risco de os réus se evadirem para um dos países da zona do euro, forte na “intenção[da acusada NATALINA] de apagar qualquer vestígio sobre suas atividades e identidade”, eliminando todas as suas mensagens e fotos de um site de relacionamentos, além de “residirem em território italiano e não se ter registro de retorno dos acusados ao Brasil posteriormente à ocorrência dos fatos”. 4.4. Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento estável segundo o qual (i) a genuína probabilidade de risco à instrução criminal, ou (ii) a efetiva intenção de não se submeterem os agentes à aplicação da lei penal, ou, ainda, (iii) a gravidade in concreto dos fatos narrados na denúncia, justificam a decretação da prisão preventiva. 5. Ordem denegada. (HC n. 386.046/BA, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 21/08/2018, DJe de 28/08/2018.). (Grifo Nosso)
Neste julgamento, restou reconhecida a aplacabilidade da lei brasileira por conta dos atos executórios terem se iniciado no território nacional, consumando-se posteriormente no exterior. A Justiça brasileira neste processo requereu a extradição os Italianos para serem processados no Brasil.
6. Extraterritorialidade Penal: Disposições do Artigo 7º do Código Penal Brasileiro.
O tema da extraterritorialidade penal é abordado de maneira abrangente e detalhada no artigo 7º do Código Penal brasileiro (CP). Este artigo estabelece as condições em que a legislação penal brasileira pode ser aplicada a crimes cometidos fora do território nacional.
O artigo mencionado tem a seguinte redação:
“Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no
estrangeiro:
I – os crimes:
a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República (Princípio da defesa);
b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal,
de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade
de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder
Público (Princípio da defesa);
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço(Princípio da defesa);
d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no
Brasil (Princípio da justiça universal);
II – os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir (Princípio da justiça universal) ;
b) praticados por brasileiro (Princípio da nacionalidade);
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes
ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não
sejam julgados (Princípio da representação).
§ 1.º Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei
brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.
§ 2.º Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do
concurso das seguintes condições:
a) entrar o agente no território nacional;
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira
autoriza a extradição;
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí
cumprido a pena;
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro
motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.
§ 3.º A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por
estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições
previstas no parágrafo anterior:
a) não foi pedida ou foi negada a extradição;
b) houve requisição do Ministro da Justiça”.
Em cada inciso, demonstramos a relação das condutas relacionadas na extraterritorialidade com os princípios da territorialidade, para apontar como nosso ordemento adota outros princípios para tipificação de condutas realizadas fora do território nacional ou abordo de aeronaves ou navios extrangeiros dentro do território nacional.
Abaixo, exploramos as disposições do artigo 7º do CP, e sua importância no contexto da extraterritorialidade penal.
- Fundamentos da Extraterritorialidade Penal:
O artigo 7º do CP, estabelece os critérios nos quais a lei penal brasileira pode ser aplicada a crimes cometidos no exterior.
Essa disposição é fundamentada em princípios de justiça internacional e na necessidade de combate a impunidade de delitos independentemente de onde ocorram.
- Condições para Aplicação da Lei Penal Brasileira:
O artigo 7º do CP, enumera as condições específicas nas quais a lei penal brasileira pode ser aplicada extraterritorialmente. O artigo apresenta duas formas de extraterritorialidade, a incondicionada e a condicionada.
A extraterritorialidade incondicionada é aquela que ocorrido o crime fora do território nacional, independentemente de qualquer requisito, a lei nacional é aplicada, ainda que o agente seja absolvido ou condenado no estrangeiro.
A extraterritorialidade incondicionada é aplicada nas infrações previstas no inciso I, do artigo 7ª, do CP, que são:
I – os crimes:
a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;
b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal,
de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade
de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder
Público;
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço;
d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no
Brasil;
Desta forma, nos crimes mencionados, a lei brasileira é aplicada independentemente do autor da conduta ter sido absolvido ou condenado no exterior.
Com relação o inciso II, do mesmo artigo, se aplica a extraterritorialidade condicionada, que é aquela em que a lei brasileira somente se aplicará com o preenchimento de condições para os seguintes crimes:
II – os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;
b) praticados por brasileiro;
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes
ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não
sejam julgados.
Assim, para aplicação da extraterritorialidade condicionada da lei penal brasileira, necessário se faz o atendimento das seguintes condições:
a) entrar o agente no território nacional;
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira
autoriza a extradição;
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí
cumprido a pena;
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro
motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.
Desta forma, para que a lei brasileira venha a ser aplicada para o agente que praticou conduta criminosa no exterior, as condições previstas acima deverão ser cumpridas.
- Da aplicabilidade da lei penal Brasileira ao estrangeiro.
A lei penal brasileira poderá ser aplicada ao estrangeiro que tenha praticado crime contra brasileiro fora do território nacional, caso não tenha sido pedido ou negada a extradição, ou se existir requisição do Ministro da Justiça .
Desta forma, estaremos diante da extraterritorialidade hipercondicionada. A extradição de estrangeiro poderá ser pleiteada para que responda no país por crime cometido contra brasileiro, desde que presentes os requisitos cumulativos previstos no §§ 2º e 3º, do artigo 7º, do CP.
Ademais, os requisitos para extradição de uma pessoa são:
• Estudo do caso pelo do Supremo Tribunal Federal;
• A celebração de convenção ou tratado com o Brasil. Caso não exista, precisa existir reciprocidade;
• Sentença transitada em julgado condenatória que impõe pena privativa de liberdade ou prisão preventiva decretada por autoridade competente do Estado requerente;
• O extraditando deve ser estrangeiro;
• O fato imputado deve ser crime, não poder ser infração que pequeno potencial ofensivo (contravenção), além do reconhecimento da tipificação penal em ambos Estados.
• A pena máxima a ser aplicada ao extraditado deve ser privativa de liberdade superior a um ano.
• O crime imputado não pode ser político ou de opinião.
• Não pode o extraditado estar sendo processado, e nem pode ter sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato.
• Tem que existir o reconhecimento da incompetência do Brasil para julgar a infração, devendo o Estado Requerente comprovar que o fato é punível e que é competente para julgar;
• Impossibilidade de impor ao extraditado a sua submissão a tribunal de exceção, que é o juízo criado após o cometimento da infração penal especialmente para julgá-la;
• A punibilidade não pode estar extinta segundo a lei do Estado requerente ou de acordo com a brasileira.
• O extraditando não pode ser considerado refugiado.
Esses requisitos são analisados no momento do pedido de extradição, de modo que não atendidos, o pedido de extradição não é acatado.
- Combate a Crimes Graves e Transnacionais:
A extraterritorialidade penal prevista no artigo 7º do CP, é especialmente relevante no combate a crimes transnacionais, como terrorismo, tráfico de drogas, tráfico de pessoas e crimes cibernéticos.
Esses delitos muitas vezes transcendem as fronteiras nacionais e exigem uma abordagem cooperativa e coordenada entre os Estados para garantir a responsabilização dos culpados.
- Contribuição para a Justiça Internacional:
A extraterritorialidade penal, conforme prevista no artigo 7º do CP, contribui para a promoção da justiça internacional e para o fortalecimento do Estado de direito em escala global.
Ao permitir a aplicação da lei penal brasileira a crimes cometidos no exterior, o Brasil demonstra seu compromisso com a Justiça e a responsabilização, independentemente do local onde os delitos são perpetrados.
Em conclusão, o artigo 7º do Código Penal brasileiro desempenha um papel fundamental ao estabelecer as condições nas quais a legislação penal brasileira poderá ser aplicada extraterritorialmente.
Essa disposição reflete o compromisso do Brasil em combater a impunidade em relação a crimes transnacionais, contribuindo para a promoção da Justiça e do Estado de direito em escala global.
7. Aplicação da Lei Penal em Relação às Pessoas: Imunidades Diplomáticas e Parlamentares.
Além das questões de territorialidade e extraterritorialidade, a aplicação da lei penal no espaço também envolve considerações específicas em relação às pessoas, especialmente no que tange as imunidades diplomáticas e parlamentares.
Sabe-se por certo, que a imunidade é concedida para determinadas pessoas que desempenham certas atividades, visando garantir o livre exercício das funções desempenhadas.
Assim, passaremos a analisar a imunidade diplomática e parlamentar para o exato entendimento.
a) Imunidade Diplomática.
A imunidade diplomática é a proteção legal concedida aos diplomatas que atuam em determinado Estado estrangeiro. A Imunidade diplomática é regulada pela convenção de Viena de 1941, promulgada pelo Brasil com base nos decretos nº 56.435/65 e 61.078/67.
Essa imunidade visa proteger a independência e a integridade das missões diplomáticas, permitindo que os diplomatas desempenhem suas funções sem medo de interferência ou perseguição por parte das autoridades locais.
A imunidade confere aos representantes diplomáticos, isenção de responsabilidade penal, tributária e civil, sendo a natureza jurídica do instituto, causa de exclusão da jurisdição.
Desta forma, os diplomatas de carreira estão protegidos pela imunidade, ou seja, desde o embaixador até o terceiro secretário, os membros de quadro administrativo, tradutores, contabilistas e outros, recebem a proteção para representação dos interesses do seu Estado.
A imunidade diplomática também se estende a família dos agentes diplomáticos, desde que esses familiares vivam com ele, além dos funcionários de organismos internacionais quando em visita oficial. Este tipo de imunidade é irrenunciável .
Também são protegidos pelo imunidade diplomática, os chefes de Estados estrangeiros e os membros de sua comitiva, estendendo-se essa imunidade aos familiares, desde que estejam a serviço do chefe de Estado estrangeiro.
Estão excluídos da imunidade os empregados particulares dos diplomatas, como por exemplo, faxineira, jardineiro, motorista, cozinheiro, etc, ainda que tenham a mesma nacionalidade. Esses empregados não gozam do direito a imunidade, porém, gozam da isenção de imposto de renda sobre os salários laborais.
A imunidade diplomática tem as seguintes características:
- Imunidade pessoal: A pessoa do agente diplomático não poderá ser objeto de nenhuma forma de detenção ou prisão. Não pode da mesma forma ser obrigado a testemunhar, ainda que possa ser investigado.
- Independência: como representante estrangeiro, tem a qualidade de independência conferida pelo Estado do qual faz parte.
- Imunidade criminal, civil e tributária: Ainda que tenha imunidade cível e tributária, em muitos países a imunidade criminal não é absoluta. Dependendo da legislação criminal do Estado estrangeiro, os diplomatas poderão ser processados sem qualquer tipo de autorização.
- Inviolabilidade de habitação: Conforme a convenção de Viena, a inviolabilidade da residência diplomática não se estende aos limites da sua destinação. Por esta razão, não pode ser utilizada para prática de crimes sob o pretexto de imunidade. Existe permissão para que as autoridades do país possam invadir a habitação diplomática caso exista urgência.
- Dever de cumprimento da lei do Estado Hospedeiro: O diplomata tem por obrigação cumprir a lei do país estrangeiro.
Como mencionado, a residência dos membros e a sede diplomática, não é considerado território estrangeiro. Embora inviolável, é território nacional do país hospedeiro.
O entendimento aplicado no caso de crime cometido no Brasil por agente diplomático, é que o agente fique sujeito as consequências jurídicas do seu país de origem.
O fato do agente diplomático não ser punido, não leva a concluir que não deva obedecer a lei nacional. Os agentes diplomáticos deverão apresentar obediência a lei do país que se encontram, sob pena de serem responsabilizados em seu país de origem.
A imunidade somente pode ser renunciada pelo Estado estrangeiro, mas nunca pelo diplomata, sendo que o mesmo entendimento se estende aos funcionários e empregados.
A imunidade consular é aquela garantida aos funcionários consulares de carreira. Os funcionários de carreira nada mais são, do que o cônsul geral, cônsul, vice cônsul e o agente consular, no exercício de suas funções, não se estendendo a qualquer tipo de funcionário consular honorário. A Imunidade vale somente onde o agente exerce suas funções.
b. Imunidades Parlamentares.
As imunidades parlamentares são garantias legais concedidas a membros do poder legislativo, visando proteger sua liberdade de expressão e garantir que possam desempenhar suas funções sem interferência ou intimidação.
A imunidade parlementar impede a decretação da prisão, e a instauração de processo penal para responsabilização do parlamentar durante o exercício de suas funções.
As imunidades se justificam para assegurar ao congressista livre exposição de seus pensamentos, ideias e voto.
As imunidades parlamentares não conferem impunidade absoluta, podem ser levantadas em certas circunstâncias, especialmente em casos de flagrante delito ou grave violação da lei.
Além disso, as imunidades parlamentares geralmente não se estendem a atos criminosos cometidos fora do exercício das funções parlamentares.
São espécies de imunidade parlamentar o seguinte:
- Substantiva (absoluta): Essa imunidade assegura a liberdade de manifestação. Os deputados e senadores não respondem por crime de palavras. Não respondem pelas manifestações de suas opiniões, palavras e votos no exercício de sua função, ainda que fora do parlamento. O Supremo Tribunal de Federal vem entendendo que a manifestação do parlamentar ainda que fora do ambiente do congresso, deve guardar relação com o exercício mandato. A imunidade substantiva engloba somente as matérias cível e penal. O parlamentar não poderá ser processado sem que haja autorização do Parlamento. Por outro lado, sem que exista autorização, o parlamentar poderá ser processado administrativamente, com a perda do mandato, caso pratique ofensas direcionadas a outros colegas e instituições (quebra de decoro parlamentar). A imunidade é irrenunciável, pois é conferida ao parlamentar no exercício de sua função, pertencendo ao parlamento. Se o parlamentar estiver sendo processado em primeira instância quando da sua diplomação, o processo é remitido para o Supremo Tribunal Federal, que comunicará a casa legislativa competente, conforme prevê o artigo 53, §§ 3º e 4º, da CF. A partir do termino do mandato, o processo retornará à Vara de origem para seguimento, caso o STF não tenha julgado. Agora, se o crime for praticado no exercício do mandato, o processo fica paralisado aguardando autorização da Casa Legislativa. Caso não seja autorizado, com o termino do mandato, o processo será remitido para Vara Criminal comum. A imunidade substantiva divide-se em excludente do crime, excludente de pena e causa de incapacidade penal.
- Processual (formal e relativa): Essa imunidade visa assegurar a liberdade de palavra e debates, evitando-se a submissão do parlamentar a processos tendenciosos ou prisão cautelar. Os parlamentares não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesta situação, o processo será remitido no prazo de 24hs a respectiva casa, para que, por deliberação da maioria dos seus membros, decida sobre a prisão. Os crimes inafiançáveis estão previstos no artigo 323, do Código de Processo Penal. A deliberação da Casa é que autoriza ou não a formação da culpa do parlamentar preso. Se o parlamentar for condenado após autorização da Casa Parlamentar, poderá perder o mandato. O parlamentar tem garantia de ser ouvido em lugar previamente agendado com o juiz, quando for testemunha, não sendo aplicável a condução coercitiva. Por fim, o Parlamento não tem poderes para sustar a investigação criminal contra o seu membro, sendo que essa investigação tramita sob a fiscalização de Ministro do STF.
A aplicação da lei penal no espaço é um campo complexo que envolve uma variedade de princípios e considerações legais. Desde os princípios fundamentais de territorialidade e extraterritorialidade até as questões específicas relacionadas a imunidades diplomáticas e parlamentares, é essencial compreender o tema para garantir a Justiça e a eficácia do sistema legal.
Em resumo, a imunidade material e formal são dispositivos legais que visam garantir a independência, a estabilidade e o funcionamento adequado das instituições públicas, protegendo autoridades e indivíduos no exercício de suas funções contra perseguições ou processos judiciais injustificados.
É importante mencionar para finalizar, que as imunidades não conferem impunidade absoluta, estão sujeitas a limitações e exceções estabelecidas na legislação brasileira, como demonstrado.