Sumário
Toggle1. Introdução.
No âmbito das relações de trabalho, os limites para comportamentos aceitáveis entre empregados são definidos tanto por normas jurídicas quanto por valores sociais. Recentemente, a Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu manter a demissão por justa causa de uma funcionária que proferiu ofensas racistas contra uma colega.
A decisão ressaltou a gravidade do racismo e a necessidade de reprimí-lo no ambiente laboral, mesmo quando outros insultos também estiverem presentes. Este artigo busca esclarecer os principais aspectos jurídicos envolvidos no caso, abordando conceitos como justa causa, isonomia e a relevância de combater o racismo no trabalho.
2. O caso: uma discussão com consequências jurídicas.
O desentendimento entre as funcionárias ocorreu no final de um turno noturno, durante o uso do vestiário da empresa. De acordo com relatos, a briga teria começado por conta de disputa por espaço em um banco. Uma das funcionárias teria chamado a outra de “gorda”, ao que recebeu uma resposta com ofensas sobre sua aparência. O tom da discussão escalou quando foram feitas referências de cunho racista, descritas por testemunhas como comparções a animais e insultos sobre o cabelo da colega.
A funcionária dispensada alegou que sua reação foi provocada pelos insultos recebidos e argumentou que a justa causa foi aplicada de maneira arbitrária, uma vez que ambas as partes haviam trocado ofensas. No entanto, o TST avaliou que as declarações racistas tinham uma gravidade maior, justificando a dispensa.
3. Justa causa: o que é e como se aplica.
A justa causa é uma modalidade de rescisão do contrato de trabalho prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que ocorre quando o empregado comete uma falta grave. O artigo 482 da CLT elenca situações que podem justificar a dispensa, como atos de improbidade, mau procedimento ou ofensas físicas e morais no ambiente de trabalho.
Neste caso, as ofensas racistas foram enquadradas como “ato lesivo da honra” — uma das categorias de falta grave previstas na legislação trabalhista. Essa decisão também levou em conta que o racismo é uma violação da dignidade humana e constitui crime no Brasil, conforme estabelecido pela Lei nº 7.716/1989 e pelo artigo 5º, inciso XLII, da Constituição Federal.
4. A decisão do TST.
O processo foi analisado em diferentes instâncias. Inicialmente, a decisão de primeira instância manteve a justa causa com base na gravidade dos insultos, corroborados por depoimentos que também apontaram uma tentativa de agressão física. Posteriormente, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) decidiu reverter a justa causa, entendendo que ambas as funcionárias haviam agido de forma inadequada e deveriam ter recebido penalidades equivalentes. Segundo essa interpretação, a aplicação da penalidade mais severa a apenas uma delas violava o princípio da isonomia.
Por fim, a Terceira Turma do TST restabeleceu a justa causa, enfatizando que as ofensas racistas demandam uma resposta mais enérgica. O relator do caso destacou que o princípio da isonomia não foi violado, pois as condutas não eram equivalentes. As declarações racistas foram consideradas gravíssimas, superando os outros insultos proferidos na discussão.
5. Princípio da isonomia: limites e aplicação.
O princípio da isonomia, consagrado no artigo 5º da Constituição Federal, estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. No Direito do Trabalho, isso significa tratar os empregados de maneira equitativa, respeitando as circunstâncias específicas de cada caso.
Embora o TRT tenha argumentado que a empresa deveria ter tratado ambas as funcionárias da mesma forma, o TST avaliou que a gravidade das ofensas racistas justificava um tratamento diferenciado. Essa interpretação reforça que a isonomia não implica necessariamente na aplicação idêntica de penalidades, mas sim em um tratamento proporcional às condutas praticadas.
6. Racismo no ambiente de trabalho.
O racismo no ambiente laboral é uma questão de extrema gravidade. Além de comprometer a dignidade das vítimas, compromete a própria relação de trabalho, criando um ambiente hostil e incompatível com os princípios de civilidade e respeito mútuo.
A Lei nº 7.716/1989 tipifica o racismo como crime, prevendo penas que incluem reclusão. No âmbito trabalhista, atos racistas podem ensejar não apenas a demissão por justa causa, mas também a responsabilidade civil da empresa caso não sejam tomadas medidas adequadas para prevenir ou punir tais condutas.
7. Considerações finais.
A decisão do TST reforça a importância de combater o racismo de forma enérgica no ambiente de trabalho. Embora a igualdade de tratamento seja um princípio fundamental, a gravidade das ofensas racistas justifica medidas mais severas, como a demissão por justa causa.
Este caso também serve de alerta para empregadores, que devem atuar de forma proativa na prevenção e no enfrentamento de condutas discriminatórias, garantindo um ambiente de trabalho inclusivo e respeitoso para todos os empregados.
PROCESSO TST : RR-10446-91.2022.5.03.0031