Sumário
ToggleEntenda como o STJ aplicou o Código de Defesa do Consumidor para proteger vítimas de produtos defeituosos.
1. Introdução.

O Direito do Consumidor é um ramo do ordenamento jurídico brasileiro que visa proteger os consumidores de práticas abusivas e garantir a segurança dos produtos e serviços oferecidos no mercado.
Um dos casos que ilustram a aplicação desse ramo do direito é o Recurso Especial nº 1948463 – SP (2021/0214845-6), julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), envolvendo a Taurus Armas S.A. e um policial militar vítima de um acidente causado por uma arma de fogo defeituosa.
Este artigo analisa o caso, destacando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), a teoria do fato do produto e a figura do consumidor bystander.
2. O Caso em Questão: Acidente com Arma de Fogo Defeituosa.

O caso em análise teve início quando um policial militar, Tarcisio Baltazar de Oliveira, sofreu um acidente com uma pistola Taurus modelo PT 24/7 PRO LS DS, calibre 40, adquirida pela Polícia Militar do Estado de São Paulo.
Em 25 de abril de 2016, enquanto o policial estava de folga e portava a arma em seu coldre, ocorreu um disparo acidental devido a um defeito de fabricação. O projétil atingiu sua virilha e perna esquerda, causando fratura grave no fêmur e danos físicos e morais significativos.
O policial ajuizou uma ação de indenização por danos morais e materiais contra a Taurus Armas S.A., alegando que o acidente foi decorrente de um defeito no produto.
A questão central do caso foi determinar se o policial militar poderia ser equiparado a consumidor para fins de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, especialmente no que diz respeito ao prazo prescricional quinquenal.
3. A Teoria do Fato do Produto e a Responsabilidade Objetiva do Fornecedor.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor em casos de defeitos no produto ou serviço.
Conforme o artigo 12 do CDC, o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Já o parágrafo primeiro, é claro ao expor que o produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
- I – sua apresentação;
- II – o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
- III – a época em que foi colocado em circulação.
No caso em questão, a arma de fogo apresentou um defeito de fabricação, o que caracteriza um problema de qualidade. A teoria do fato do produto, aplicada pelo STJ, determina que o fornecedor é responsável pelos danos causados por seus produtos, independentemente de culpa, desde que haja nexo causal entre o defeito e o dano sofrido pelo consumidor.
4. O Conceito de Consumidor Bystander e a Equiparação.

Um dos pontos mais relevantes do julgamento foi a aplicação do conceito de consumidor bystander, previsto no artigo 17 do CDC.
Esse dispositivo equipara aos consumidores todas as vítimas de acidentes de consumo, mesmo que não tenham adquirido diretamente o produto ou serviço. No caso do policial militar, ele foi considerado consumidor por equiparação, pois foi o destinatário final do produto e sofreu as consequências diretas do defeito.
A tese defendida pelo STJ foi a de que o policial, ao utilizar a arma de fogo no exercício de suas funções, estava exposto aos riscos associados ao produto.
Portanto, a natureza jurídica da relação contratual entre a Taurus e a Polícia Militar (uma relação civil-administrativa) não afasta a aplicação do CDC.
O fato de a arma ter sido adquirida pela Fazenda Pública não desnatura a relação de consumo, uma vez que o policial foi diretamente afetado pelo defeito.
5. A Questão da Prescrição: Prazo Quinquenal do CDC vs. Trienal do Código Civil.

Outro aspecto relevante do caso foi a discussão sobre o prazo prescricional.
A Taurus alegou que o prazo aplicável seria o trienal, previsto no artigo 206, § 3º, V, do Código Civil, que regula as ações de reparação civil.
No entanto, o STJ entendeu que, por se tratar de uma relação consumerista, o prazo aplicável seria o quinquenal, conforme estabelecido no artigo 27 do CDC.
A aplicação do prazo quinquenal reforça o caráter protetivo do CDC, garantindo que as vítimas de acidentes de consumo tenham um período mais extenso para buscar a reparação dos danos sofridos.
Esse entendimento foi consolidado pela jurisprudência do STJ, que tem adotado a teoria finalista mitigada para a aplicação do CDC, ampliando a proteção aos consumidores.
6. Jurisprudência e Fundamentação Legal.

O STJ já havia se posicionado em casos semelhantes, como no REsp 1.959.787/SP, julgado pela Terceira Turma em 12 de dezembro de 2023.
Nesse caso, o Tribunal entendeu que a responsabilidade da fabricante de arma de fogo deve ser analisada à luz da teoria do fato do produto, independentemente da natureza jurídica da relação contratual com a entidade adquirente.
A decisão no caso Taurus reforça o entendimento de que o consumidor bystander está protegido pelo CDC, mesmo que não tenha adquirido diretamente o produto. Essa interpretação amplia o alcance da legislação consumerista, garantindo que todas as vítimas de acidentes de consumo possam buscar reparação.
7. Conclusão: A Importância da Proteção ao Consumidor.

O julgamento do Recurso Especial nº 1948463 – SP é um exemplo claro da aplicação do Código de Defesa do Consumidor em casos complexos, envolvendo produtos defeituosos e vítimas indiretas.
A decisão do STJ reforça a importância da responsabilidade objetiva do fornecedor e a proteção aos consumidores bystanders, garantindo que todas as vítimas de acidentes de consumo tenham seus direitos resguardados.
Ao equiparar o policial militar a um consumidor e aplicar o prazo prescricional quinquenal, o Tribunal promoveu uma interpretação mais justa e protetiva da legislação consumerista, assegurando que os fornecedores sejam responsabilizados por eventuais falhas na fabricação de seus produtos.
Esse entendimento contribui para a segurança das relações de consumo e para a prevenção de acidentes semelhantes no futuro.
Este caso serve como um importante precedente para situações semelhantes, reforçando a necessidade de os fornecedores garantirem a qualidade e a segurança de seus produtos, sob pena de responderem por danos causados aos consumidores, sejam eles diretos ou indiretos.