Em uma decisão que levanta questões sobre a aplicação da legislação penal e a análise de provas, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), confirmou a absolvição de um homem acusado de estupro de vulnerável.
O caso envolve um relacionamento entre um homem de 20 anos e uma menor de 13 anos e oito meses. A decisão destaca as limitações impostas pela legislação sobre a reavaliação de provas em instâncias superiores e a complexidade de casos que envolvem a vulnerabilidade de menores.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente tomou uma decisão significativa no âmbito do direito penal brasileiro ao confirmar a absolvição de um homem acusado de estupro de vulnerável, crime descrito no artigo 217-A do Código Penal. O caso envolve um relacionamento entre um jovem de 20 anos e uma menor de 13 anos e oito meses, o que, pela lei, configura automaticamente a prática do crime de estupro de vulnerável, independentemente de consentimento ou outras circunstâncias.
De acordo com o processo, a relação entre o homem e a menor veio à tona após um desentendimento entre a jovem e sua mãe. Inicialmente, a mãe havia consentido com o namoro, mas, posteriormente, a situação se complicou quando a filha deixou a casa da família para morar com o namorado sem autorização materna. Foi então que o caso foi levado às autoridades.
Na primeira instância, o homem foi absolvido. A decisão foi posteriormente confirmada pelo tribunal de segunda instância, que considerou que as peculiaridades do caso impediam a aplicação direta e automática do artigo 217-A do Código Penal. Segundo o tribunal estadual, não havia evidências suficientes de que o acusado tivesse se aproveitado da vulnerabilidade da menor. A corte destacou ainda que, durante o julgamento, a jovem – já com 18 anos – não relatou qualquer trauma ou dano significativo decorrente do relacionamento.
Ao recorrer ao STJ, o Ministério Público argumentou que o simples fato de o réu ter mantido relações sexuais com uma menor de 14 anos configurava o crime de estupro de vulnerável, de acordo com a legislação vigente. O MP sustentou que, independentemente de consentimento ou da natureza do relacionamento, a prática do ato sexual já seria suficiente para a condenação.
Contudo, o relator do caso no STJ, ministro Sebastião Reis Junior, manteve a decisão de absolvição, destacando que o STJ não pode reexaminar provas em recurso especial, conforme estabelece a Súmula 7. Para o ministro, a decisão do tribunal estadual baseou-se em uma análise detalhada dos fatos, concluindo que não havia elementos suficientes para justificar uma condenação tão severa quanto a prevista pelo artigo 217-A.
O ministro também mencionou um importante princípio jurídico: para que um fato seja considerado penalmente relevante, não basta que ele se enquadre na descrição legal do crime. É necessário também avaliar a extensão do dano causado ao bem jurídico protegido pela lei, neste caso, a proteção da infância e da adolescência. Dessa forma, o STJ entendeu que, no caso concreto, a aplicação da pena prevista poderia ser desproporcional, considerando o contexto em que os fatos ocorreram.
A decisão não foi unânime. O ministro Rogerio Schietti Cruz apresentou um voto divergente, argumentando que a posição do tribunal de segunda instância violava o artigo 217-A do Código Penal. Segundo Schietti, o crime de estupro de vulnerável se configura pelo simples fato de se praticar qualquer ato sexual com menor de 14 anos, sendo irrelevante o consentimento da vítima, sua experiência sexual anterior ou a natureza do relacionamento com o agente.
Schietti destacou que a jurisprudência recente do STJ, consolidada na Súmula 593, não permite que se relativize a vulnerabilidade da vítima, ou seja, a menor de 14 anos. Ele expressou preocupação de que a decisão do STJ poderia sinalizar um retrocesso na proteção legal oferecida a crianças e adolescentes, ao permitir uma interpretação subjetiva sobre a vulnerabilidade da vítima com base em seu comportamento ou no contexto do relacionamento.
A decisão do STJ reflete a complexidade dos casos que envolvem a aplicação de leis penais em situações que não se enquadram perfeitamente nos cenários previstos pela legislação. Ela também ressalta as limitações impostas ao tribunal de rever provas em instâncias superiores, um aspecto crucial para a preservação dos direitos fundamentais e da segurança jurídica.
O caso ilustra como a interpretação da lei pode variar significativamente dependendo do contexto e dos detalhes específicos de cada situação. Enquanto a legislação brasileira é clara ao criminalizar qualquer ato sexual com menores de 14 anos, as decisões judiciais demonstram que a aplicação da lei pode exigir uma análise mais aprofundada das circunstâncias individuais, especialmente quando envolve a avaliação da vulnerabilidade e do impacto real sobre a vítima.
Além disso, a decisão reacende o debate sobre a necessidade de um equilíbrio entre a proteção intransigente dos direitos de crianças e adolescentes e a consideração das nuances de casos específicos, que podem não se adequar perfeitamente à aplicação estrita da lei.
A jurisprudência brasileira continuará a evoluir à medida que novos casos sejam apresentados, mas este julgamento sublinha a importância de um sistema judicial que consiga equilibrar a proteção dos vulneráveis com a justiça individualizada em cada caso.