O Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu, recentemente, uma decisão significativa no campo do direito processual civil, ao negar o recurso em habeas corpus interposto por Caio Cesar Sales Melo Araújo, mantendo a decisão que determinou a apreensão e retenção do passaporte do devedor.
A decisão, tomada pela Ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, mantém a apreensão e retenção do passaporte do recorrente, medida que foi inicialmente ordenada pelo juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Parnaíba, no Piauí.
Essa decisão se destaca por envolver a aplicação de uma medida executiva atípica, cuja legalidade e necessidade foram amplamente discutidas e que levanta importantes questões sobre os limites e a eficácia dos meios de coerção no processo de execução.
O caso que culminou na retenção do passaporte de Caio Cesar Sales Melo Araujo, teve origem em uma ação de cumprimento de sentença, na qual o recorrente foi condenado a restituir uma quantia considerável em dinheiro.
Após a condenação, diversas tentativas foram realizadas para garantir o pagamento da dívida, incluindo o bloqueio de contas bancárias e a imposição de restrições a veículos de sua propriedade.
No entanto, todas essas medidas se mostraram ineficazes, pois Araújo, ao que tudo indica, havia se desfeito de seus bens e deixado o país com sua família, sem informar o novo endereço ao juízo, o que gerou suspeitas de uma tentativa deliberada de evasão.
A retenção do passaporte foi solicitada pelo credor como uma medida de coerção para assegurar o pagamento da dívida. A defesa de Araujo, por sua vez, argumentou que essa medida era desproporcional, violava o direito de ir e vir do recorrente, e que as medidas típicas de execução não haviam sido completamente esgotadas, o que tornaria a apreensão do documento ilegal.
No entanto, a Ministra Nancy Andrighi, ao analisar o caso, considerou que a medida era não apenas legal, mas também necessária e adequada, dada a situação específica do recorrente.
A decisão do STJ baseou-se em diversos precedentes que reconhecem a legalidade de medidas executivas indiretas, como a apreensão de passaportes, desde que tais medidas sejam adotadas após o esgotamento dos meios típicos de execução e sejam adequadas, necessárias e proporcionais à tutela do direito do credor.
A Ministra Nancy Andrighi destacou que a retenção do passaporte, em casos excepcionais, pode ser uma medida válida para assegurar o cumprimento de uma ordem judicial, especialmente quando há indícios de que o devedor está tentando frustrar a execução da sentença.
No caso específico de Caio Cesar Sales Melo Araujo, o STJ entendeu que todas as medidas típicas de execução haviam sido esgotadas sem sucesso. Tentativas de bloquear contas bancárias por meio do SISBAJUD não resultaram na recuperação dos valores devidos, uma vez que as contas do recorrente não apresentavam saldo positivo.
Restrição veicular via RENAJUD indicou a propriedade de cinco veículos em nome de Araujo, incluindo um de luxo, mas nenhum dos veículos foi localizado para penhora. Além disso, o recorrente não foi encontrado em seu endereço residencial, o que reforçou a suspeita de que ele havia deixado o país para evitar a execução.
A situação tornou-se ainda mais complexa quando informações obtidas pela Polícia Federal indicaram que Araújo havia deixado o Brasil em um voo para os Estados Unidos, um dia antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Ele viajou acompanhado de sua esposa e três filhos, e não havia registro de seu retorno ao território brasileiro. Investigações posteriores sugeriram que Araújo estaria residindo em Miami, onde estaria tentando abrir uma empresa de transporte de mercadorias.
Esses elementos foram interpretados pelo STJ como evidências claras de uma tentativa de evasão, justificando a adoção de medidas atípicas para garantir o cumprimento da decisão judicial.
A defesa de Araújo, ao impetrar o recurso em habeas corpus, alegou que a retenção do passaporte era uma medida desproporcional e que violava o direito fundamental de ir e vir, garantido pela Constituição Federal.
Argumentou também que o juízo de primeiro grau havia inovado ao mencionar, em sua decisão, que o recorrente teria vendido seus bens e deixado a comarca, fato que, segundo a defesa, não teria sido utilizado como fundamento na decisão que denegou a ordem no primeiro grau.
Além disso, a defesa questionou o esgotamento das medidas típicas de execução, sustentando que outras ações poderiam ter sido tentadas antes da adoção de medidas mais drásticas, como a retenção do passaporte.
Contudo, a Ministra Nancy Andrighi, ao negar provimento ao recurso, reafirmou a legalidade e a necessidade da medida adotada. Ela argumentou que o esgotamento das medidas típicas de execução havia sido devidamente demonstrado, e que a retenção do passaporte era uma resposta proporcional à tentativa do recorrente de evadir a jurisdição brasileira.
A Ministra enfatizou que a apreensão de passaportes, embora seja uma medida atípica, pode ser utilizada de maneira legítima quando há indícios concretos de que o devedor está tentando frustrar a execução da sentença, especialmente em casos onde outras medidas já foram tentadas sem sucesso.
A decisão do STJ também ressaltou que a retenção do passaporte de Araújo não foi uma medida tomada de forma precipitada ou sem fundamentação adequada. O juízo de primeiro grau havia tentado diversas outras medidas antes de recorrer à apreensão do documento, e a retenção foi decretada apenas após a confirmação de que o recorrente havia deixado o Brasil, sem informar seu novo endereço, em circunstâncias que indicavam uma tentativa clara de evitar o cumprimento da ordem judicial.
A Ministra Nancy Andrighi também destacou que o STF já havia se manifestado sobre a constitucionalidade de medidas coercitivas atípicas, incluindo a apreensão de passaportes, desde que observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Ao confirmar a decisão do juízo de primeiro grau, o STJ reforçou a ideia de que medidas atípicas podem ser essenciais para garantir a efetividade das decisões judiciais, especialmente em situações onde o devedor utiliza meios fraudulentos ou tentativas de evasão para evitar o cumprimento de suas obrigações.
A decisão também serve como um importante precedente para casos futuros, indicando que o Judiciário brasileiro está disposto a utilizar todos os instrumentos à sua disposição para assegurar que as decisões judiciais sejam respeitadas e cumpridas.
Outro aspecto relevante da decisão é o impacto que ela pode ter sobre o comportamento de devedores que tentam utilizar a mudança de residência ou a emigração como uma forma de escapar de suas obrigações legais.
Ao manter a retenção do passaporte de Araújo, o STJ envia uma mensagem clara de que tais estratégias não serão toleradas e que o Judiciário está disposto a adotar medidas rigorosas para garantir que as ordens judiciais sejam cumpridas, mesmo que isso signifique restringir temporariamente os direitos de locomoção de um indivíduo.
Em síntese, a decisão do STJ no caso de Caio Cesar Sales Melo Araújo reafirma a importância da aplicação de medidas executivas atípicas como um meio válido e necessário para assegurar o cumprimento de decisões judiciais, especialmente em casos onde o devedor demonstra uma clara intenção de frustrar a execução da sentença.
A retenção do passaporte, embora drástica, foi considerada adequada e proporcional à gravidade da situação, servindo como um lembrete da seriedade com que o Judiciário brasileiro encara o cumprimento de suas decisões e a proteção dos direitos dos credores.
RECURSO EM HABEAS CORPUS n.º 196004 – PI (2024/0111338-3)
RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
LINK ACÓRDÃO:https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=integra&documento_sequencial=248927486®istro_numero=202401113383&peticao_numero=&publicacao_data=20240606&formato=PDF