Sumário
Toggle1. Introdução.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente julgou o Agravo Interno no Habeas Corpus nº 849230 – SP (2023/0303992-2), envolvendo a questão da prisão civil de um devedor de alimentos.
O caso reafirma importantes conceitos sobre o cumprimento de obrigações alimentícias, a maioridade dos beneficiários e os limites para a prisão civil.
2. O Contexto do Caso.
O processo teve origem em uma execução de alimentos movida por I. S. P. contra seu genitor, C. G. P., devido ao inadimplemento de débitos alimentares referentes ao período de agosto a dezembro de 2016.
Após cumprir uma medida de prisão anterior, o devedor permaneceu em inadimplência, o que levou a novas cobranças e a um novo decreto de prisão para dívidas acumuladas a partir de janeiro de 2017.
No Agravo Interno, a defesa do devedor argumentou que os valores cobrados incluíam montantes anteriores já pagos ou cumpridos mediante prisão. Ademais, sustentou que a exequente já havia alcançado a maioridade, estava casada e residia no exterior, o que, segundo a defesa, tornaria desnecessária a continuidade da obrigação alimentícia.
3. Decisão do STJ.
O STJ, em decisão relatada pelo Ministro Raul Araújo, negou provimento ao agravo e reafirmou vários entendimentos jurisprudenciais consolidados:
- Prisão Civil por Inadimplência Alimentar – O tribunal destacou que a prisão civil é medida excepcional, permitida apenas para os débitos que compreendem as três últimas prestações anteriores à execução e as que vencerem no curso do processo, conforme a Súmula 309 do STJ.
- Maioridade do Beneficiário – A maioridade não extingue automaticamente a obrigação alimentícia. Segundo a Súmula 358 do STJ, o fim da obrigação deve ser declarado por decisão judicial após o devido processo legal, com respeito ao contraditório e à ampla defesa.
- Dificuldades Financeiras do Alimentante – O STJ reafirmou que dificuldades financeiras, como desemprego ou nova constituição familiar, não afastam automaticamente a responsabilidade alimentar. Esses fatores devem ser avaliados em ações revisionais de alimentos, e não no âmbito da execução que pode culminar em prisão civil.
- Irregularidade Processual – As alegadas irregularidades processuais, como a falta de procuração atualizada da exequente, não foram reconhecidas como suficientemente comprovadas para justificar a suspensão da execução ou da prisão.
- Natureza do Habeas Corpus – O tribunal destacou que o habeas corpus é um instrumento restrito, inadequado para discussão de provas ou dilatação probatória. Assim, a questão da desnecessidade dos alimentos não poderia ser analisada nessa via.
4. Conceitos Jurídicos Esclarecidos.
4.1. Débito Alimentar e Prisão Civil.
A prisão civil por dívida alimentar encontra respaldo no artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal, que permite sua aplicação como exceção à proibição de prisão por dívida. O objetivo não é punitivo, mas coercitivo, buscando garantir a sobrevivência do credor dos alimentos.
4.2. Maioridade e Obrigação Alimentícia.
Ao atingir a maioridade, o alimentando pode perder o direito à pensão se não houver comprovação de necessidade, como cursar ensino superior ou enfrentar situação de vulnerabilidade econômica. Contudo, essa exoneração depende de decisão judicial e não ocorre automaticamente.
4.3. Execução de Alimentos.
O Código de Processo Civil (CPC) prevê dois ritos para a execução de alimentos:
- Rito da Prisão (art. 528): Aplicado para as três últimas parcelas vencidas e as vincendas no curso da ação.
- Rito da Penhora (art. 523): Utilizado para parcelas pretéritas, não sujeitas à prisão civil.
4.4. Habeas Corpus como Via Processual.
O habeas corpus é remédio constitucional para proteger a liberdade de locomoção contra atos ilegais ou abusivos. Contudo, sua utilização é restrita a casos de manifesta ilegalidade, não sendo adequado para discussão de questões complexas ou provas que demandem instrução probatória.
4. Impacto da Decisão.
A decisão reafirma a jurisprudência sobre execução de alimentos e esclarece os limites da prisão civil, protegendo os interesses tanto do credor quanto do devedor. Ela também reforça a necessidade de o alimentante buscar vias judiciais adequadas para revisar valores ou exonerar o dever de pagamento da pensão.
O julgamento reafirma que, para que o alimentante possa se exonerar da obrigação, deverá obter ordem judicial declarando o fim da obrigação de pagamento dos alimentos impostos ao alimentado.
O caso também evidencia a importância do devido processo legal e da correta utilização de instrumentos processuais, como o habeas corpus, que deve ser empregado apenas em situações de flagrante ilegalidade.
5. Conclusão.
A decisão do STJ no Agravo Interno no Habeas Corpus nº 849230/2023 fortalece o entendimento de que a obrigação alimentar é fundamental para a proteção dos direitos dos credores, mas também está sujeita a critérios rigorosos.
Com isso, a Corte reafirma seu papel como guardiã da harmonia entre os princípios constitucionais e a justiça social, promovendo soluções equilibradas para conflitos familiares. A decisão também serve como um lembrete para que as partes busquem seus direitos por meio dos canais legais apropriados, evitando medidas precipitadas ou inadequadas.