Sumário
Toggle1. Decisão estabelece que medidas protetivas posteriores não alteram competência original.

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a competência do juízo cível para julgar ações de partilha de bens deve ser mantida, mesmo quando, posteriormente, há o ajuizamento de medida protetiva no âmbito da Lei Maria da Penha. A decisão consolida um importante entendimento para casos de separações litigiosas, ao reafirmar que a competência originária não pode ser alterada em razão de fatos supervenientes relacionados à violência doméstica.
O caso envolveu um conflito de competência entre a vara de família, que originalmente tratava da ação de partilha, e o juízo de violência doméstica e familiar contra a mulher, acionado após a suposta ocorrência de ameaças feitas pelo ex-marido. O tribunal local havia decidido que o caso deveria ser transferido para o juízo de violência doméstica, mas a decisão foi revista pelo STJ.
2. Fundamentação jurídica da decisão.

A ministra Isabel Gallotti, relatora do caso, destacou que a matéria discutida no processo não incluía questões relacionadas à dissolução do casamento ou à existência de uma união estável, mas tão somente a partilha de bens. Com base no artigo 14-A, §1º, da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), a ministra enfatizou que essa matéria está expressamente fora da competência dos juízos de violência contra a mulher.
Ademais, a ministra ressaltou que o divórcio entre as partes ocorreu três anos antes da ação de partilha ser ajuizada. Durante dois anos, o caso tramitou regularmente na vara de família, sem que houvesse questionamento acerca da competência. Foi apenas após o ajuizamento da medida protetiva que surgiu o conflito, culminando na declinação de competência pelo juízo cível.
Segundo o STJ, mesmo que os fatos relacionados à violência doméstica tivessem surgido antes ou durante a tramitação do processo de partilha, isso não alteraria a competência originária. Para a relatora, é essencial respeitar o princípio da estabilização da competência, que garante segurança jurídica e previsibilidade processual.
3. Lei Maria da Penha e a limitação de competência.

A Lei Maria da Penha trouxe importantes avanços para a proteção das mulheres contra a violência doméstica e familiar. Contudo, sua aplicação não deve ser ampliada para abarcar temas que não guardam relação direta com as medidas de proteção previstas na norma.
O artigo 14-A, inserido pela Lei 13.894/2019, foi claro ao delimitar que “a competência dos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher não abrange as causas de natureza cível, salvo quando se referirem às ações de divórcio, separação, anulação de casamento ou reconhecimento e dissolução de união estável cumuladas com pedidos de alimentos, guarda, visitação ou partilha de bens”.
No presente caso, como a ação discutia apenas a partilha de bens e foi ajuizada antes da medida protetiva, não havia razão jurídica para deslocar a competência ao juízo especializado. Essa compreensão evita a judicialização excessiva e o desvio de finalidade das estruturas criadas pela Lei Maria da Penha.
4. Impactos da decisão.

A decisão do STJ tem repercussão importante, especialmente para a organização processual nos tribunais. Ao reafirmar que a competência do juízo cível deve prevalecer em matérias estritamente patrimoniais, a corte contribui para a celeridade e a segurança jurídica, evitando que conflitos de competência atrasem a solução de litígios.
Além disso, o entendimento também traz tranquilidade para as partes envolvidas, ao assegurar que questões patrimoniais não serão automaticamente vinculadas à esfera da violência doméstica. Isso é especialmente relevante em situações nas quais os bens do casal representam um ponto de tensão após a separação.
5. Considerações finais.

A decisão da Quarta Turma do STJ reforça a distinção entre competências cível e criminal, respeitando a divisão de atribuições entre os diversos ramos do Poder Judiciário. Ao delimitar que medidas protetivas posteriores não podem afastar a competência originária do juízo cível, o tribunal assegura a efetividade do princípio da estabilização da competência e promove maior previsibilidade processual.
Por fim, a decisão destaca a necessidade de observar os limites da Lei Maria da Penha, garantindo sua aplicação para casos que efetivamente envolvam situações de violência contra a mulher, sem que isso interfira indevidamente em outras questões de natureza cível. Assim, assegura-se um sistema judicial mais justo e eficiente, capaz de atender adequadamente às diferentes demandas das partes envolvidas.