Sumário
Toggle1.Introdução
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em recente julgamento, pela validade das provas obtidas pela polícia no lixo descartado por um homem acusado de participar de uma organização criminosa.
O grupo, envolvido com o jogo do bicho, estava sendo investigado por crimes como lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e documental.
A decisão do colegiado afastou a tese de violação de privacidade e dispensou a necessidade de autorização judicial para a diligência, uma vez que o material foi coletado em via pública.
O entendimento firmado pelo STJ reforça a linha de raciocínio de que, ao descartar documentos ou objetos no lixo, em local público, o indivíduo perde a expectativa de privacidade.
Isso porque, conforme expresso pelo relator do recurso, o ministro Sebastião Reis Junior, ao depositar seus resíduos na rua, o investigado perde o controle sobre o material, tornando legítima a ação policial que se baseou na observação de um local suspeito de funcionar como escritório da organização criminosa.
2.Entenda o Caso
Segundo os autos do processo, a investigação começou com a vigilância de um endereço que seria utilizado pela organização criminosa. Durante a campana policial, um dos suspeitos de integrar o grupo foi visto saindo do prédio e depositando dois sacos de lixo na calçada.
O material descartado foi recolhido pelos policiais e submetido a perícia, que revelou uma série de documentos incriminadores. Entre os itens encontrados estavam listas de apostas, relatórios de prêmios e registros dos pontos de venda do jogo do bicho.
A defesa do acusado, contudo, recorreu ao STJ com um pedido de habeas corpus, alegando que a apreensão das provas foi realizada de forma arbitrária, sem autorização judicial, e sem haver uma investigação formal em curso há época.
Os advogados classificaram a diligência como uma “pesca probatória”, prática proibida pela legislação brasileira, por se tratar de uma coleta aleatória de evidências, sem fundamento ou objetivo definido.
3. Pesca Probatória ou Investigação Legítima?
O conceito de “pesca probatória”, ou “fishing expedition”, refere-se a buscas indiscriminadas por provas, sem que haja uma justificativa prévia que as ampare, sendo vedado pelo direito brasileiro.
Nesse caso, a defesa argumentou que a polícia agiu sem qualquer base legal, uma vez que não havia mandado judicial ou investigação formal que autorizasse a apreensão do lixo.
Contudo, o STJ refutou essa alegação ao concluir que a operação policial não foi aleatória. O relator Sebastião Reis Junior destacou que a diligência já havia sido iniciada com base em investigações anteriores, que incluíam o mapeamento de estabelecimentos utilizados pela organização criminosa, a identificação dos seus integrantes e a análise do seu modus operandi.
Ou seja, a abordagem da polícia foi legítima, pois não se tratou de uma ação ao acaso, mas sim de um desdobramento natural de uma investigação em curso.
Conforme afirmou o ministro em seu voto, “a oportunidade apareceu no momento da campana policial, quando o suspeito descartou material que poderia ser apenas restos de comida, embalagens vazias ou papéis sem valor, mas que se revelaram documentos fundamentais para dar suporte às apurações”.
Além disso, o magistrado ressaltou que não houve invasão de domicílio ou qualquer outra forma de violação à intimidade do acusado. O material foi coletado na rua, em local público, e, portanto, fora do âmbito de proteção da privacidade individual.
“Não se pode invocar direito de privacidade sobre objetos ou documentos que foram descartados pelo próprio investigado em via pública”, afirmou.
4.Repercussão e Jurisprudência
A decisão do STJ segue a linha de outras cortes superiores, incluindo a Suprema Corte dos Estados Unidos, que já havia enfrentado casos semelhantes sobre a apreensão de materiais descartados no lixo.
Lá, o entendimento predominante é o de que não existe expectativa razoável de privacidade sobre o que é deixado para coleta pública.
No Brasil, a questão ainda gera debates, principalmente no que diz respeito ao limite entre a atuação das autoridades investigativas e o direito à privacidade garantido pela Constituição.
Contudo, a decisão da Sexta Turma reforça a ideia de que, em determinadas circunstâncias, a coleta de provas em lixo descartado pode ser uma ferramenta válida e importante para o desmantelamento de organizações criminosas complexas, como as envolvidas com o jogo do bicho.
O julgamento também serve como um alerta para advogados e investigadores, ao evidenciar a importância de delimitar claramente os parâmetros de atuação das polícias e a necessidade de se respeitar as garantias constitucionais, ao mesmo tempo, em que permite o uso de técnicas investigativas que se adequem às exigências da lei e da realidade das investigações criminais.
Com essa decisão, o STJ reafirma que, em situações como a do caso em análise, a coleta de provas em lixo descartado em local público, quando feita num contexto investigativo previamente estruturado, é legítima e não exige autorização judicial, configurando uma diligência válida e eficaz no combate ao crime organizado.