Entenda os limites da sub-rogação nos direitos do consumidor e as implicações processuais no âmbito do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Sumário
Toggle1. Introdução.

O Recurso Especial nº 2092308/SP, julgado pela Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça (STJ), trouxe à tona uma discussão fundamental no Direito brasileiro: os limites da sub-rogação da seguradora nas prerrogativas processuais dos consumidores.
O caso que envolveu uma ação regressiva movida pela Sompo Seguros S.A., contra a RGE Sul Distribuidora de Energia S.A., questionou se a seguradora, ao indenizar seu segurado, poderia também se beneficiar de direitos processuais exclusivos do consumidor, como a escolha do foro de seu domicílio e a inversão do ônus da prova.
A decisão do STJ não apenas esclareceu os contornos da sub-rogação no âmbito do Código de Defesa do Consumidor (CDC), mas também reforçou a proteção ao consumidor como parte vulnerável nas relações de consumo.
Este artigo analisa os principais aspectos do julgamento, destacando suas implicações práticas e teóricas no Direito brasileiro.
2. O Caso em Questão.

O recurso especial foi interposto pela RGE Sul Distribuidora de Energia S.A. contra a Sompo Seguros S.A., em uma ação regressiva de ressarcimento de danos materiais.
A seguradora, após indenizar seu segurado por danos causados por uma descarga elétrica, moveu ação regressiva contra a distribuidora de energia, alegando sub-rogação nos direitos do consumidor, incluindo a prerrogativa de escolher o foro de seu domicílio (art. 101, I, do CDC) e a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC).
A questão central do recurso era definir se a seguradora, ao se sub-rogar nos direitos do consumidor, poderia também se beneficiar das prerrogativas processuais conferidas ao consumidor pelo CDC.
3. A Sub-rogação no Direito Brasileiro.

A sub-rogação é um instituto jurídico previsto no artigo 346 do Código Civil, que permite a transferência de direitos, ações, privilégios e garantias do credor originário para o novo credor que pagou a dívida. No caso das seguradoras, o artigo 786 do Código Civil estabelece que, após o pagamento da indenização, a seguradora se sub-roga nos direitos e ações do segurado contra o causador do dano.
No entanto, a jurisprudência do STJ tem consolidado o entendimento de que a sub-rogação se limita aos direitos de natureza material, não abrangendo os direitos de natureza exclusivamente processual, como a escolha do foro e a inversão do ônus da prova.
Essas prerrogativas são consideradas personalíssimas e decorrem da condição de vulnerabilidade do consumidor, conforme previsto no CDC.
4. A Competência do Foro e a Inversão do Ônus da Prova.

O artigo 101, I, do CDC estabelece que o consumidor pode optar por ajuizar a ação no foro de seu domicílio, em detrimento do foro do domicílio do réu (art. 46 do CPC). Essa regra visa proteger o consumidor, considerado a parte mais vulnerável na relação de consumo, facilitando seu acesso à justiça.
Já o artigo 6º, VIII, do CDC, prevê a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, desde que ele seja hipossuficiente e a alegação seja verossímil. Essa inversão é uma ferramenta processual que busca equilibrar as relações desiguais entre consumidores e fornecedores.
No caso em análise, o STJ entendeu que a seguradora não pode se beneficiar dessas prerrogativas processuais, pois elas estão intrinsecamente ligadas à condição de consumidor. A sub-rogação, portanto, não transmite à seguradora os direitos processuais decorrentes da condição personalíssima do consumidor.
5. A Decisão do STJ.

O STJ, ao julgar o recurso, fixou a seguinte tese jurídica:
“O pagamento de indenização por sinistro não gera para a seguradora a sub-rogação de prerrogativas processuais dos consumidores, em especial quanto à competência na ação regressiva”.
A Corte Especial determinou que a ação regressiva deve ser processada e julgada no foro do domicílio da ré (art. 46 do CPC), afastando a aplicação do artigo 101, I, do CDC.
Além disso, o STJ afastou a inversão do ônus da prova com base no artigo 6º, VIII, do CDC, por entender que essa prerrogativa não pode ser objeto de sub-rogação.
6. Implicações Práticas da Decisão.

A decisão do STJ reforça a distinção entre direitos materiais e processuais no âmbito da sub-rogação.
Enquanto a seguradora pode se sub-rogar nos direitos materiais do consumidor, como o direito de receber a indenização, ela não pode se beneficiar das prerrogativas processuais que decorrem da condição de vulnerabilidade do consumidor.
Essa interpretação tem impacto direto nas ações regressivas movidas por seguradoras, que deverão ser ajuizadas no foro do domicílio do réu, e não no foro escolhido pela seguradora.
Além disso, a inversão do ônus da prova só será aplicável se a seguradora demonstrar, com base nas regras gerais do CPC, que se encontra em situação de hipossuficiência.
7. Conclusão.

O julgamento do Recurso Especial nº 2092308/SP pelo STJ, representa um marco na interpretação dos limites da sub-rogação da seguradora nas prerrogativas processuais do consumidor.
Ao decidir que o pagamento de indenização por sinistro não transmite à seguradora direitos processuais como a escolha do foro do domicílio do consumidor e a inversão do ônus da prova, o Tribunal reafirmou a natureza personalíssima dessas garantias, que estão intrinsecamente ligadas à condição de vulnerabilidade do consumidor.
Essa decisão não apenas fortalece os princípios do CDC, mas também promove maior segurança jurídica ao delimitar claramente os direitos que podem ser transferidos por meio da sub-rogação.
Em um contexto em que as relações de consumo são cada vez mais complexas, o entendimento do STJ serve como um importante guia para a aplicação do Direito, garantindo que as prerrogativas destinadas a proteger o consumidor não sejam indevidamente estendidas a outras partes.
Assim, a jurisprudência consolida-se como um pilar essencial para a justiça e o equilíbrio nas relações consumeristas.
Este artigo busca esclarecer os principais aspectos jurídicos envolvidos no Recurso Especial nº 2092308/SP, oferecendo uma análise detalhada e fundamentada na legislação brasileira.
A decisão do STJ reforça a importância de se respeitar os limites da sub-rogação, garantindo a proteção dos direitos do consumidor e a segurança jurídica nas relações de consumo.