Sumário
Toggle1. Introdução.
A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou um supermercado de Cuiabá (MT) a pagar uma indenização de R$ 15 mil a uma encarregada de padaria dispensada após o diagnóstico de transtorno afetivo bipolar.
A decisão, unânime, reconheceu que a demissão da funcionária foi discriminatória, especialmente porque a empresa já tinha ciência de sua condição de saúde. O caso evidencia as dificuldades enfrentadas por trabalhadores que, ao conviverem com doenças graves, como o transtorno bipolar, podem ser vítimas de preconceito e exclusão no ambiente de trabalho.
2. O início do tratamento e a demissão.
A empregada ingressou na empresa em 2019 e, dois anos depois, em junho de 2021, foi diagnosticada com transtorno afetivo bipolar. Ao iniciar seu tratamento, que incluía o uso de medicamentos controlados, ela informou sua condição à empresa.
Contudo, segundo relatou na reclamação trabalhista, após essa comunicação, passou a perceber uma mudança no comportamento de colegas e supervisores. Sentiu-se perseguida e, pouco tempo depois, foi demitida sem uma justificativa razoável.
No depoimento de uma das testemunhas, o tratamento dispensado à funcionária pelos superiores e colegas foi descrito como “meio estranho” após seus afastamentos ocasionais em decorrência da doença.
Algumas pessoas na empresa começaram a questionar a sua capacidade de realizar suas funções, agravando ainda mais a situação de desconforto no ambiente de trabalho.
3. Decisões nas instâncias inferiores.
O pedido de indenização por danos morais foi inicialmente negado pelo juiz de primeira instância e, posteriormente, também pelo Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (TRT-23).
Conforme as decisões dessas instâncias, o transtorno bipolar, apesar de ser uma doença grave que pode limitar as condições físicas e emocionais de uma pessoa, não geraria, necessariamente, estigma ou preconceito a ponto de tornar a dispensa presumivelmente discriminatória.
Para o TRT-23, caberia à empregada provar que a demissão foi motivada diretamente por sua condição de saúde, algo que, na visão do tribunal, não foi suficientemente demonstrado. Essa interpretação, no entanto, foi reformada pelo TST, que acolheu o recurso da trabalhadora.
4. Súmula 443 e proteção contra dispensa discriminatória
Ao relatar o recurso, a ministra Liana Chaib fez referência à Súmula 443 do TST, que presume discriminatória a demissão de trabalhadores portadores de doenças graves que possam gerar estigma ou preconceito, como o HIV.
Ela destacou que o objetivo dessa súmula é assegurar o direito à dignidade e ao trabalho, protegendo pessoas acometidas por condições graves de saúde de serem demitidas de forma arbitrária.
No caso do transtorno bipolar, a ministra ressaltou que, apesar de não haver menção expressa à doença na súmula, estudos acadêmicos e científicos demonstram o impacto significativo que ela pode ter na vida profissional dos pacientes.
“A oscilação de humor e as dificuldades no trabalho e na vida social de quem sofre da doença reforçam sua vulnerabilidade, especialmente em uma relação de emprego”, afirmou a relatora.
5. Impacto do transtorno bipolar na vida profissional
A ministra também enfatizou que a medicina, a psicologia e a sociologia têm reconhecido amplamente que o transtorno bipolar pode afetar de forma substancial a vida profissional dos pacientes.
Uma das principais consequências da doença, conforme apontado em pesquisas, é o desemprego, agravado pelo estigma social que ainda persiste em torno do transtorno mental.
De fato, uma das razões pelas quais muitas pessoas diagnosticadas com transtorno bipolar deixam de aderir ao tratamento adequado é justamente o medo de serem discriminadas, tanto no ambiente de trabalho quanto em outros contextos sociais.
O preconceito pode levar à exclusão profissional e à marginalização, aumentando ainda mais a vulnerabilidade dessas pessoas.
No caso julgado pelo TST, ficou claro que a empresa, ao tomar conhecimento da doença da funcionária, deveria ter adotado uma postura mais inclusiva e protetiva, em vez de demiti-la.
A decisão unânime do colegiado reconheceu que houve, sim, discriminação, pois a dispensa ocorreu em um contexto de preconceito e tratamento desigual.
6. Precedente importante.
Essa decisão do TST representa um importante precedente para casos de trabalhadores com doenças graves que enfrentam preconceito e discriminação no ambiente laboral.
Ao aplicar a Súmula 443, o tribunal reafirma o compromisso de proteger a dignidade dos trabalhadores, especialmente daqueles que convivem com condições de saúde que os tornam mais vulneráveis socialmente.
Com a condenação, o supermercado de Cuiabá deverá pagar uma indenização de R$ 15 mil à ex-funcionária, valor que visa reparar o dano moral causado pela demissão discriminatória.
Mais do que o aspecto financeiro, a decisão carrega um forte simbolismo ao reafirmar que o mercado de trabalho deve ser inclusivo e respeitar as diferenças, garantindo a todos, independentemente de sua condição de saúde, o direito de trabalhar com dignidade.
Essa jurisprudência reforça a responsabilidade das empresas em adotar uma conduta ética e humanizada frente a trabalhadores que enfrentam desafios de saúde, promovendo um ambiente de trabalho mais justo e equitativo.
Fonte: https://tst.jus.br/web/guest/-/supermercado-%C3%A9-condenado-por-dispensar-encarregada-com-transtorno-afetivo-bipolar