Sumário
Toggle1. Introdução.
Em recente julgamento, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu decisão de grande relevância para o setor de saúde suplementar no Brasil, envolvendo o caso do Recurso Especial n.º 2167934/SP.
Sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma decidiu, por unanimidade, reformar o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) e afastar a obrigação da Unimed de Marília de custear exame genético realizado nos Estados Unidos, solicitado por uma beneficiária diagnosticada com câncer de mama.
A decisão reafirma o caráter nacional da abrangência geográfica de planos de saúde, conforme delimitado pela Lei n.º 9.656/1998.
2. Contexto Fático.
A ação judicial iniciou-se em 2020, quando a beneficiária Solange Onoel de Castro, diagnosticada com carcinoma lobular invasivo e micrometástases linfonodais, enfrentou a negativa de cobertura para a realização do exame “MammaPrint”.
Esse exame genético, realizado fora do Brasil, é utilizado para determinar o tratamento oncológico mais adequado, buscando minimizar riscos e assegurar maior eficácia clínica.
Após arcar com os custos de R$ 14.250,00, Solange ajuizou ação declaratória cumulada com pedido de indenização por danos materiais. A sentença de primeira instância declarou nula a cláusula contratual que excluía a cobertura e condenou a Unimed ao reembolso do valor desembolsado pela autora. Tal entendimento foi mantido pelo TJ/SP, que destacou a abusividade da recusa, enfatizando a proteção ao direito à vida e à saúde.
3. Entendimento do STJ.
O recurso especial interposto pela Unimed fundamentou-se na inexistência de previsão legal ou contratual para custear tratamentos realizados fora do Brasil. A operadora argumentou que:
- O exame não está previsto no rol obrigatório da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
- Não há indicação na literatura médica nacional ou recomendação por parte do CONITEC, ou ANVISA para a realização do procedimento.
- A cláusula contratual delimitava claramente a área geográfica de cobertura ao território nacional, conforme autorizado pelo art. 16, X, da Lei n.º 9.656/1998 e pela Resolução Normativa n.º 566/2022 da ANS.
Ao acolher os argumentos da recorrente, o STJ reconheceu a legalidade da limitação geográfica e reafirmou que os planos de saúde não estão obrigados a cobrir tratamentos ou exames realizados no exterior, salvo disposição contratual expressa.
A ministra Nancy Andrighi ressaltou que o art. 10 da Lei n.º 9.656/1998 prevê que a cobertura obrigatória dos planos de saúde abrange exclusivamente procedimentos realizados em território nacional. Essa delimitação encontra fundamento na própria lógica regulatória da ANS, que estabelece o rol de procedimentos obrigatórios com base na infraestrutura e na realidade médica brasileira.
Além disso, foi afastada a aplicação da Súmula n.º 102 do TJ/SP, frequentemente utilizada para fundamentar a obrigatoriedade de custeio em situações envolvendo avanços tecnológicos, por entender que tal interpretação não encontra respaldo no ordenamento jurídico federal aplicável ao caso.
4. Implicações Jurídicas.
A decisão do STJ sinaliza uma abordagem mais restritiva e técnica em relação à cobertura dos planos de saúde. Com base no entendimento consolidado, operadoras não podem ser compelidas a custear procedimentos fora da área geográfica contratada, especialmente quando não há respaldo normativo ou contratual para tal obrigação.
Isso não apenas reforça a importância da observância dos contratos e das normas da ANS, mas também proporciona maior previsibilidade jurídica para as operadoras e os beneficiários. Ainda assim, a decisão pode ser vista como um desafio para pacientes que buscam tratamentos inovadores indisponíveis no Brasil.
5. Impactos no Direito à Saúde.
Por outro lado, a decisão também suscita um debate relevante sobre o alcance do direito à saúde, especialmente em situações envolvendo tecnologias médicas avançadas.
Apesar de a lei garantir acesso a tratamentos disponíveis no Brasil, o progresso da medicina global desafia frequentemente os limites geográficos e jurídicos impostos pelas regulamentações nacionais.
Assim, casos como o de Solange Onoel de Castro colocam em evidência a necessidade de maior articulação entre regulação, inovação tecnológica e direitos dos consumidores no setor de saúde suplementar.
6. Conclusão.
Ao reformar o acórdão do TJ/SP, o STJ reafirmou o caráter limitado da abrangência dos planos de saúde ao território nacional, exceto quando expressamente pactuado o contrário.
Embora a decisão represente uma vitória para as operadoras, ela também destaca a importância de uma regulação mais adaptável às inovações tecnológicas e aos anseios legítimos dos beneficiários. O tema, certamente, continuará a ser objeto de intensos debates jurídicos e legislativos.